Do conservadorismo
Vivemos em um país historicamente conservador e as pessoas, em pleno século XXI, ainda fecham os olhos à sua classe socioeconômica, raça e gênero.
Do início a meados do século XX falava-se sempre da manipulação e alienação política, principalmente em razão da falta de acesso à Educação formal, especificamente ao nível superior.
Do final do século XX às duas decadas do século XXI em curso, o que mais temos visto é a ascenção dos "menos favorecidos" à Educação e especialmente à universidade, pública ou privada.
E ainda assim, continuamos tendo essa alienação e manipulação, mas principalmente a ignorância quanto ao pertencimento de classe, raça e gênero.
O conservadorismo de direita que se transformou em extrema-direita nos últimos anos não se fortaleceu sozinho, mas teve o auxílio do fundamentalismo cristão e das mídias.
As falácias "Deus, pátria, família tradicional, cidadãos de bem e liberdade de expressão" alicerçadas por fake news também expõem as contradições de quem as proclama como "verdades absolutas".
A evocação a Deus não faz com que os que estão no topo da hierarquia deixem de explorar seus funcionários, nem ajam para combater a fome, a falta de moradia e a humilhação cotidiana de quem não tem quase nada. Deus é o Deus dos ricos, não dos pobres. E os pobres creem nessa narrativa, porque não querem acabar com a pobreza para todos, mas sim sair dela sozinhos, de forma individualista e egoísta. Lutar por todos, pela coletividade, dá trabalho. Jesus Cristo fez isso, está na Bíblia, e foi crucificado. Ricos e pobres de hoje cultuam um Deus de pactos e tratos de prosperidade onde é "cada um por si". Para isso, não há necessidade de refletir criticamente sobre as desigualdades sociais e seu papel na manutenção delas. Lavam as mãos como fez Pilatos.
A pátria é outra falácia, pois adoram os EUA e Israel, venderiam todas as estatais no país, privatizariam tudo, para viver o estilo de vida estadunidense. Sonham com um visto de residência permanente fora do Brasil, porque o complexo de vira-latas que não os faz querer se reconhecer latinos e sim buscar a veneração de sobrenomes europeus diz muito sobre a anti-nacionalidade que reside dentro de si. Não querem melhorar o país em uma luta coletiva, querem garantir seu Green Card ou Golden Visa em outras terras onde serão vistos eternamente como "estrangeiros". Os ricos ainda têm como se manter, os pobres, vão arrotar um inglês mal falado, saindo da exploração das suas terras para ser explorado em terras alheias e ainda vão agradecer ao Tio Sam por isso!
A família tradicional, talvez seja a maior hipocrisia de todos os tempos, uma vez que subsistem adultérios, filhos fora do casamento, gravidez na adolescência, pais expulsando filhas de casa, violência doméstica dos cônjuges, inúmeras crianças sem o nome do pai no registro, relações incestuosas, heterossexuais aos montes tendo relações homossexuais via aplicativo, "sem camisinha", levando várias IST para seus parceiros com quem estão "casados", divórcios, pensões não pagas ou atrasadas, esse é o retrato mais fiel da "família de comercial de margarina" que dizem defender. Os pobres são os que mais não perfazem a dita família tradicional, pois vemos um matriarcado de mulheres lutando sozinhas para criar suas proles abandonadas pelo "macho alfa" que sai pelo mundo tendo crias que não têm nenhuma condição de prover.
Dos tais cidadãos de bem, vemos nos noticiários o envolvimento de cada vez mais dessas "pérolas da sociedade" em diversos crimes graves (extelionatos, homicídios, violência doméstica, estupros, pedofilia, escravização de trabalhadores, tráfico de drogas, racismo etc.). Se esses são os "do bem", imagine os "do mal". E os pobres são sempre vistos como "cidadãos do mal", principalmente quando negros, e por isso revistados, seguidos e mortos por policiais e outros agentes de repressão.
Por fim, a propalada liberdade de expressão é restrita a um grupo e a suas ideias, tudo que seja contraditório é atacado como "ideologia esquerdista", "ideologia de gênero", "cristofobia", dentre outros. Os pobres, massa de manobra, só repetem tal como papagaios o que aprendem da elite, sem contestação, porque é também mais fácil do que aprender a ler o mundo em que vivem e assumir embates que envolvem uma dolorosa cognição critica, sim, porque o pensamento crítico tira o véu idílico dos olhos e faz enxergar a crueza da vida.
O conservadorismo com sua narrativa oferece um escapismo para os pobres, que "entorpecidos" pela falsa ilusão de que serão iguais aqueles a quem se aliam, legitimam a continuidade de sua exploração perpétua e o destino igual de seus filhos. É um ciclo vicioso, dos quais poucos se libertam, mesmo com um diploma de nível superior nas mãos.
Estar em uma universidade não faz de uma pessoa um ser crítico, capaz de compreender a complexidade do mundo. A maioria só busca uma formação para o mercado de trabalho, para saírem de "operários simplórios" para "profissionais liberais simplórios". Compreensão crítica demanda vontade, sacrifício, leitura, capacidade de interpretação, de análise, de desvelamento, de desconstrução de dogmas religiosos, familiares, estruturantes. A maioria não alcança isso, primeiro porque demanda estar aberto, segundo porque demanda saber que não será indolor, pois toda a transformação interior é uma morte de quem era antes para se tornar uma outra pessoa "de olhos abertos", terceiro porque a maioria usa a falta de tempo, a preguiça e acomodação nas ilusões para não passar da lagarta à borboleta. Por isso, "nem toda a lagarta, se torna borboleta", mesmo obtendo a graduação, continua rastejando pelo mundo, servindo aos opressores, mantendo o que lhes faz mal por toda a vida.
As pessoas são manipuladas sim, mas também fazem escolhas por não se libertar dessa manipulação. Acreditam ser mais fácil e menos sofrido passar pela vida sem adquirir a consciência de sua submissão a um jogo que nunca vencerão sozinhas. Por isso mantêm-se reféns de pastores, padres, políticos conservadores, coachs, terapeutas holísticos de constelações familiares. Deixam suas vidas serem conduzidas porque assumir as rédeas de si, significa também encarar as más escolhas, os erros e as responsabilidades por esses, bem como a realidade de que não haverá um milagre divino no final do túnel. O milagre é a vida. O resto, é livre arbítrio.
Por isso, essas pessoas sempre verão a política como guerra partidária, como uma disputa entre a "esquerda comunista ateísta do demônio" e a "extrema direita na qual o pastor e amigos ricos mandaram votar e por isso é a certa"! O não querer estudar o cenário politico, entender, dialogar, demonstra seu desinteresse e/ou incapacidade nessa questão e por isso a necessidade de que outros escolham por si em quem votar nas eleições.
Pensar por si, sem muletas, dá trabalho e a maioria não pode ou não quer fazê-lo. Por isso, mantemos há mais de 500 anos um país de racismo estrutural, de abismo socioeconômico, de crimes contra mulheres e homossexuais, de clamor de retorno à ditadura militar, "graças à Deus"!
Esse é o Brasil que temos e teremos pela frente sob o domínio permanente da Direita, clássica ou extremista, e os pobres vão pagar, como sempre, muito caro por suas escolhas. Karma! Colhem o que estão plantando desde sempre!