Por que a bebida e o cigarro atraem tanto os bebuns e os fumantes?
Sentado na área de espera da rodoviária da maior cidade do Brasil, vi uma cena inesperada que me chamou subitamente a atenção, acho que só minha, enquanto lia "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector (1). Isso talvez por ver nela uma cena digna de constar junto às cenas que permeiam os pensamentos de introspecção mais íntimos da personagem Joana.
Um dos passageiros, baixo, portando uma mochila e roupas um tanto maltratadas, ao sentar-se na segunda ou terceira fileira de cadeiras à minha frente, de repente entornou de uma vez o último resto do que havia naquela garrafinha de plástico baixinha e bojuda vendida em supermercados, que normalmente contém pinga. Ao entornar o último gole, percebi, e só eu, um esgar no rosto tão violento de desagrado que evidenciava a extrema repulsa de seu organismo ao gosto horrível e lancinante do líquido.
É por causa desse gosto horrível que eu, em meu aprendizado tácito nos anos mais inocentes, nunca me acostumei com a bebida alcoólica. E da mesma forma posso atribuir ao gosto igualmente horrível a mesma ojeriza minha ao cigarro.
Por isso nunca entendi o porquê dos adictos se apegarem tanto a tais vícios se seu gosto é tão horrível ao primeiro contato a ponto de causar aquele esgar tão violento de repulsa que eu, sozinho ali em meio a várias pessoas que não perceberam, vi naquele viajante.
Como nunca experimentei o estado de euforia que, por relatos dos adictos, o alcool e o cigarro produzem após sua ingestão, não posso eu próprio dizer se esse estado posterior à ingestão de tais substâncias compensaria enfrentar aquele contato inicial horrível, mas também, e principalmente, todo o prejuízo nefasto que, em relação à saúde, irão causar no organismo daqueles que as ingerem com tão estranho ímpeto autodestrutivo.
Por isso, minha repulsa ao álcool e ao cigarro está longe de se dar por causa da minha consciência sobre as evidências científicas sobre o mal que causam às saúdes física e mental de suas vítimas, embora seja uma das causas. Mas sim pela causa precípua mais orgânica da simples repulsa do meu organismo ao gosto muito ruim que me causam, como vi causar no rosto de forma tão conspícua no rosto daquele viajante bebum.
E minha introspecção se encerra com a seguinte conclusão: ainda bem que para mim foi assim!
(1) Lispector, Clarice. "Perto do Coração Selvagem". Rio de Janeiro: Rocco, 2019.