“ESCRITORES, PENSADORES & DISCOS VOADORES”
18 de outubro de 2024, 3h16min
NESTA MESMA NOITE, NO ANO PASSADO eu encarava o vazio da praça, pensando se não havia mesmo algo que eu pudesse fazer pra salvar meu gato que morreu, na noite anterior. Tinha conhecido, exatamente nos dias de sua morte, uma mulher, e ela veio pra minha casa. Eu dizia a mim mesmo que estava perdidamente apaixonado por ela; eu demonstrava a ela que estava perdidamente apaixonado e disposto a tudo. Não me lembro do que dizia ao travesseiro, que é o lugar onde se conta a verdade. Simplesmente acreditei na mentira até... até simplesmente não acreditar mais. (…) Ela não me fez bem… Mas hoje vejo que ela não chegou a me fazer GRANDE MAL também. Pois todo meu mal, em quase toda a estatística de minha existência, é causado por mim. Temos esta mania de terceirizar a responsabilidade de nossas dores. (…) No final das contas me lembrarei dela, porque se ela não estivesse aqui, naquele momento, eu não receberia um abraço de ninguém. Choraria sentado no chão do quarto, como nas outras vezes. Com meus outros gatos que se foram… choraria sentado na escada da livraria; choraria deitado... até dormir.
ACORDARIA COM BOB DYLAN cantando como quem diz nos meus ouvidos que não morri; portanto preciso seguir. Choraria um pouco mais no banho; choraria ao servir a ração de minha gata Anna. Lembrando que a comida agora era só pra um. Choraria ao vê-la circulando pela casa, sem entender a morte do amigo… a morte como conceito... a morte que teorizamos para nos sentirmos melhor. E só nos sentimos ainda mais miseráveis. Então eu abriria as portas da livraria sorrindo como quem espera da vida qualquer coisa… ou não espera mais nada. (…)
[Volto já...]