Amamos as pessoas erradas
Um livro que estava lendo me lembrou algo sobre o qual já vinha refletindo há muito tempo, na minha própria experiência de vida. Em um trecho, o livro dizia "amamos as pessoas erradas, por isso sofremos". E, de fato, é isso. A paixão é um fogo instantâneo, uma atração física e mental vulcânica, mas tem prazo de expirar e logo a chama se apaga. O amor não, o amor é um sentimento de longevidade, um presente com futuro, por isso o amor é uma escolha que se renova no dia a dia, mas nunca, jamais, sozinho. O amor só existe se é nutrido pelas duas pessoas envoltas no processo. Dedicação e indiferença, entrega e distanciamento, compromisso e descaso não são ações conjuntas que promovam o amor, ao contrário, fazem adoecer o sentimento solitário daquele que ama quem não o ama, até que o afeto, como uma flor, murche e morra, sem ter recebido os nutrientes necessários para durar, para fincar raízes. Quem reclama que o amor faz sofrer é porque amou sem ser amado, amou "a pessoa errada" e é o desamor da outra pessoa que fere, que dilacera, que magoa, que compromete o sentimento. O "amor incondicional" é bonito em romances literários, mas na vida real, é uma relação entre alguém com profunda carência e um narcisista. Alguém com apego emocial por diversas frustrações passadas e alguém que só quer receber sem se doar, sendo egoísta, mas pragmática em seus interesses. Não há amor nessa situação, só desencontro e desamor. O amor verdadeiro emana de quem escolhe nos amar, tanto quanto nós escolhemos aquela pessoa. Precisa ser um pacto de ambas as partes, no mesmo momento. Essa é uma escolha diária, no cansaço, nas atribulações, na doença, na tristeza, tanto quanto nos bons momentos. Escolher amar alguém não é fácil, é preciso se despreender de toda uma visão de mundo romantizada em ilusões sem consistência no mundo real, de preceitos religiosos que mais julgam do que acolhem, de ideais de aparência, corpos e idades que são efêmeros, passageiros e superficiais, de preconceitos e toda a ordem formativa que levantam barreiras em relação ao outro que jamais será "perfeito" posto que "não é nossa criação", mas alguém real, de carne e osso, com vida e princípios próprios. É necessário se reinventar, se revolucionar por dentro e se autoavaliar para de fato amar de verdade alguém. Conexões e essências não existem apenas por afinidades de gostos (musicais, cinematográficos, literários etc.). Conexões e essências só são verdadeiras quando duas pessoas sentam-se uma diante da outra, despindo-se dos elementos formativos, e decidem fazer um acordo de compartilhamento de vidas, de sonhos, de sentimentos. Uma responsabilidade mútua diante da passagem do tempo, das mudanças da vida e das próprias pessoas. Sem isso, não há amor duradouro, só uma paixão finita, sempre com data de validade próxima. Vivemos em um mundo de superficialidade, de muitas ofertas, de grande consumismo, de imensa exposição e dramatização de nossas vidas em público, um reality show sem fim. Tornou-se mais importante ostentar a felicidade para quem nos acompanha validar nossas ações, tal como uma série nas redes sociais, do que ser feliz de verdade, nos recônditos de quem de fato importa: as duas pessoas que pactuaram entre si um cuidado recíproco. Isso está nos retirando a humanidade e o conteúdo, nos esvaziando de sentido e amor. O amor é um sentimento sublime, não é algo que se preste a julgamentos ou maus tratos. Se ama com a simbologia do coração, mas de fato, se ama de verdade com a mente, o cérebro, a lógica, a maturidade da boa decisão, da boa escolha. Não se deve escolher amar para não ficar sozinho em uma sociedade que impõe padrões de comportamentos sociais. Se deve amar para viver o encontro programado, um enlace à dois, uma escolha individual e em par, um "casamento de decisões que se coadunam" mesmo nas diferenças de cada um, de pensamentos e modos de ser. Nenhum precisa anular o outro, mas uma negociação precisa ser feita. Amar não é fácil, se fosse, todos amariam com sucesso, felizes e realizados. Mas essa retórica é só para comercial de margarina. Amar é uma construção à dois, cada vez mais rara, principalmente quando só amamos as pessoas erradas, não disponíveis.