Vida desbotada

Ele caminhava pelas ruas, sentindo o peso de cada passo, como se o chão não quisesse sustentá-lo - não que ele merecesse. Mas olhares cruzavam com os seus, e não havia profundidade neles. Eram frios, vazios, avaliando-o como alguém que podia ser manipulado, usado, descartado. Não era o primeiro a perceber isso. Ao longo dos anos, ele havia acumulado essa sensação de invisibilidade, de ser subestimado por aqueles que o cercavam. Era como se sua essência, sua verdadeira natureza, fosse algo que ninguém se dava ao trabalho de enxergar. Ele amava a arte. Não apenas o ato de observar ou criar, mas o sentimento que ela evocava. Pinturas, livros, músicas, a forma como as nuvens mudavam de cor ao entardecer. Para ele, tudo era um reflexo de algo maior, algo sagrado que pulsava por baixo da superfície fria do cotidiano. Mas quem ao seu redor via isso? Quem reconhecia sua sensibilidade, sua capacidade de perceber nuances que outros ignoravam? Para eles, ele não passava de alguém ingênuo, alguém a quem poderiam enganar sem culpa. Era esse o ponto que o feria mais profundamente: a falta de compaixão. Ele via isso em seus gestos, nas pequenas traições cotidianas, nas mentiras ditas sem peso, como se suas emoções fossem dispensáveis, como se seu amor pela vida fosse irrelevante. Ele não sabia mais o que doía mais, se era a falta de reconhecimento ou a constatação de que o mundo em que vivia não tinha lugar para alguém como ele. A morte já não parecia uma ideia tão distante. Não que ele desejasse a própria extinção, mas começava a ver com mais clareza como a vida era breve, frágil, quase efêmera. O que significava sua luta por ser reconhecido em um mundo que girava tão rápido? Talvez não houvesse tempo para os sentimentos profundos, para o amor pela beleza e pela arte. Talvez a vida fosse apenas isso: um piscar de olhos em meio a relações superficiais, uma dança vazia onde ninguém realmente se via. Ele parava, às vezes, e olhava para o céu. Tentava encontrar algum sentido, algo que o fizesse acreditar que seu amor pelo mundo, pela natureza, ainda valia a pena. Mas o horizonte lhe respondia com silêncio. E ele sentia-se cada vez mais só, cada vez mais perdido em um instante que parecia não lhe pertencer. Os dias passavam, e com eles, o fardo de existir crescia. Ele não se lembrava de quando começou a perceber essa desconexão, essa lacuna entre ele e o resto do mundo, mas agora parecia irreversível. Era como se a vida se desenrolasse diante dele sem realmente incluí-lo, como uma peça que ele observava à distância, sem papel, sem voz. A indiferença dos outros tornava-se quase insuportável, e a certeza de que ninguém via quem ele era de verdade cravava-se fundo. Ele tentava mergulhar nos livros, nas músicas que tanto amava, no amor pela astronomia e pelos mistérios da vida e porvir, buscando consolo nas palavras e nas melodias. Por algum tempo, isso funcionava. Havia momentos em que ele quase esquecia o mundo ao seu redor, permitindo-se ser envolvido pelo calor de uma obra de arte, por um poema que tocava as profundezas de sua alma. Mas esses momentos eram breves, e a realidade logo voltava a puxá-lo para a superfície, fria e impessoal. Ele se perguntava se a vida sempre fora assim — se todos, em algum ponto, descobriam que estavam sozinhos de verdade, ou se essa era apenas sua maldição pessoal. A fragilidade da existência o assombrava. Via pessoas passando ao seu lado, mergulhadas em suas rotinas, sem nunca parar para refletir sobre o quanto tudo aquilo era passageiro. O quanto a morte estava sempre à espreita, pronta para levar o que restava de seus dias sem aviso prévio. A impermanência o atormentava. Não por medo da morte em si, mas por saber que, no final, suas lutas, seus sentimentos, seu amor pelas pequenas belezas da vida, tudo seria esquecido. O que restaria dele, além de uma vaga lembrança que logo seria apagada pelo tempo? Talvez fosse essa a realidade de todos, mas ele não conseguia aceitar. Sentia que havia algo mais a ser descoberto, algo além dessa superfície apática que o mundo lhe apresentava. No fundo, sabia que nunca se encaixaria. O universo que habitava, feito de interesses mesquinhos, de ambições vazias, não era o lugar onde seu espírito encontraria paz. Havia momentos em que ele se via flertando com a ideia de desistir de lutar contra essa correnteza, de simplesmente deixar-se ser levado. Mas, mesmo nesses momentos de maior desespero, algo o impedia. Talvez fosse seu amor pela arte, por tudo que ela representava, que ainda o mantinha agarrado à vida. Ele queria acreditar que havia um significado para sua existência, algo que fosse maior do que a indiferença que sentia ao seu redor. Mas, dia após dia, essa esperança diminuía. E ele, cada vez mais, se tornava apenas um espectador do próprio desvanecer, assistindo à vida passar como uma sombra tênue, à espera de um fim que sabia ser inevitável.

Bruno da Silva
Enviado por Bruno da Silva em 04/10/2024
Código do texto: T8166370
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