Quando precisarmos de nós

A vida muda. E conforme crescemos isso vai ficando cada vez mais claro. Quando crianças, ou mesmo adolescentes, tínhamos muitos e vários amigos. Às vezes ficávamos animados para irmos a determinados lugares porque sabíamos que por lá os encontraríamos. E nossas conversas eram sempre tão animadas, divertidas ou até mesmo íntimas e secretas. Compartilhávamos alegrias, mas também tristezas e frustrações. Confidenciávamos segredos. E tínhamos a plena confiança de que tudo permaneceria entre nós. Ajudávamos. Pegávamos na mão um do outro e assim seguíamos em frente, fazendo-nos companheiros, tendo a plena certeza de que não precisávamos passar sozinhos pelos caminhos escuros da estrada da vida.

No entanto, crescemos. Aquelas pessoas que a nós eram tão íntimas e que conheciam cada um de nossos desejos e segredos, talvez hoje sejam apenas rostos embaçados pela inevitável passagem do tempo. Talvez não lembremos nem mesmo os seus nomes e talvez, ao nos reencontrarmos por acaso em alguma avenida, seja difícil nos reconhecermos, quanto mais resgatarmos tudo aquilo que vivemos. Alguns continuam conosco, parece que para sempre estarão em nossas vidas. No entanto, a maioria se esvaiu feito a água que corre de nossos dedos quando tentamos segurá-la. E não que exista algum problema nisso. Penso que a vida seja mesmo assim. O tempo passa. Os vínculos se modificam. E nossos interesses se transformam. Mas o fato é que rodeados por inúmeras companhias, talvez hoje nos restem poucas.

As pessoas têm suas obrigações, suas próprias vidas, uma história a compor, de maneira que não lhes é possível que fiquem disponíveis e acessíveis o tempo todo. Se antes bastava que mandássemos uma mensagem no meio da madrugada àquele nosso amigo mais íntimo dizendo que precisávamos desabafar e ele nos acompanhava em nossos lamentos, agora talvez seja complicado recorrer a alguém num momento de angústia. Sabemos que podemos fazê-lo, sabemos que há pessoas com as quais contar, mas também sabemos que cada um possui a sua vida e não queremos incomodar. O que resta na lida com as coisas da vida? A nossa companhia. A nossa parceria conosco mesmos. O suporte que somos capazes de nos oferecer. Mas como seremos suficientes nessas horas se tão pouco sabemos a nosso respeito? Se andamos, a cada dia, cada vez mais distanciados de nossa existência? Pouco refletimos sobre nós, nossa forma de viver, sobre a nossa passagem por aqui. Temos estado tão voltados ao outro e como ele tem feito sua passagem, que falta-nos tempo e espaço para nos concentrarmos na nossa própria forma de atravessar esse mundo. Sentimo-nos sozinhos e desamparados. Isso porque não sabemos como acessar a nossa própria capacidade de nos acolher e sustentar.

Não que devamos nos tornar autossuficientes. Isso nem é possível. Mas com certeza precisamos voltar para casa e construir, a partir de nós mesmos, um abrigo que acolha nossas dores e respeite nossas dificuldades.

É importante que tenhamos vínculos com outras pessoas, é fundamental que tenhamos alguém a quem recorrer em uma hora de dificuldade, assim como é essencial que consigamos ter a capacidade de reconhecer quando não estamos dando conta e pedir ajuda. Entretanto, é da mesma forma imprescindível que possamos nos aproximar de quem somos, do que temos e do que podemos fazer. Nem sempre teremos um ouvido disponível ou um ombro acessível. Mas sempre nos teremos. Que possamos estar sempre presentes quando formos aqueles que mais precisam de nós!

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)