Livre arbítrio e o reino quântico

Antes de começar, faz-se necessário ter em mente três conceitos de mecânica quântica: medição, superposição e entrelaçamento. A medição respeita a identificar o estado de um sistema. Seria, por exemplo, verificar a posição de uma partícula, com todos os problemas disso decorrentes (dualidade de De Broglie, incerteza de Heizenberg, orbital de Schrödinger). A superposição quântica aponta que um sistema físico pode estar em todos os estados possíveis ao mesmo tempo. Entrelaçamento quântico é o fenômeno no qual duas ou mais partículas, mesmo quando separadas, apresentam a mesma conformação, de sorte que, alterada uma, a outra segue o mesmo padrão instantaneamente.

Pois bem, estava vendo um vídeo sobre física quântica e o experimento de Schrodinger (https://www.youtube.com/watch?v=kTXTPe3wahc). Nele apontam para uma visão diferente do famoso “Gato de Schrödinger”: ao invés de verem a observação (medição) relativamente ao gato vivo/morto (superposição quântica) e a interação das variáveis (veneno, substância radioativa e gato) como a definição da realidade potencial (abre a caixa – gato vivo ou morto), levantam a hipótese de que o homem que abre a caixa não interfere, mas interage com o sistema, logo a superposição não se desfaz com a abertura da caixa, mas bifurca o universo em duas realidades distintas e simultâneas: numa o gato está vivo; noutra o gato está morto.

Resolvi deixar a mente fluir sobre essa hipótese: se o ser humano não interfere, mas interage com o sistema, ou seja, está entrelaçado com ele, qual é o nível seguro de afirmação – no viés quântico – de que houve verdadeiramente uma opção volitiva do ser humano (livre arbítrio) na abertura da caixa, e não apenas um determinismo? Ele abriu a caixa porque assim desejou ou as interações assim determinaram? O resultado constatado se consolidou com a ação humana livre e conscientemente direcionada ou foi como se uma profecia autorrealizável do reino quântico, pois fadada a ocorrer?

Se a observação (medição quântica) é, em verdade, uma interação, e toda interação gera um entrelaçamento, a observação gera um entrelaçamento. Nada obstante, toda partícula do universo está, em algum grau, entrelaçada com todas as outras, numa cadeia de interações infinitas. Então a medição passa a ser não essencialmente uma modificação da realidade apenas em qualidade (gato vivo ou morto), mas também em quantidade: uma maior fixação de uma possibilidade já estabelecida dentro da miríade de possiblidades. Sendo assim, o que fazemos ao observar seria apenas dar contorno ao que já era em essência: a observação não seria a configuração, mas apenas a percepção sensitiva de uma miríade de interações prévias numa certa direção. O ser humano, assim, apenas se tornaria ciente (empiricamente) daquilo que já teria ocorrido, do inevitável. A observação seria como a visualização da luz de uma estrela longínqua: o que se vê é o passado; "mutatis mutandis", o que se realiza, em verdade, já estava determinado pelas interações precedentes à percepção sensível. Ou seja, a observação, mais do que gerar um entrelaçamento, seria ela mesma o resultado de um entrelaçamento e, portanto, o "abrir da caixa" (no experimento de Schrodinger) não seria uma determinante volitiva, mas uma resultante inevitável.

No nível macro tem-se a seguinte sequência: pensamento, ação, realização (resultado da ação). Já, no nível quântico, a sequência seria: realização progressiva que atinge um nível de constatação cognitiva (o pensamento), o qual induz à ação e, assim, à realização, a qual que não passaria do cumprimento daquilo que fora predeterminado. O que acontece com a gente não seria, portanto, o produto da volição, mas de uma percepção inconsciente de interações a qual vai se potencializando até se tornar uma ideia inconsciente, que vira uma ideia consciente (embora inconsciente de sua origem inconsciente), quando então é levada à ação e, após, à realização: ocorre porque era para ocorrer.

Em resumo: (a) se a observação (medição) é uma interação, (b) se toda interação gera um entrelaçamento no qual toda partícula se vincula à outra e (c) se todas as partículas do universo estão, em certo grau, interagindo, direta ou indiretamente, com todas as demais, logo toda ação humana já estaria embebida do entrelaçamento infinito de outras partículas e, portanto, toda medição seria em si, potencialmente, o resultado, em algum grau, de uma interação anterior.

Nesse encadeamento, fica a pergunta: o futuro seria o resultado de nossas ações conscientemente direcionadas ou um mero reflexo de interações captadas pelos circuitos cerebrais que nosso cérebro decodifica como pensamentos legítimos de uma suposta tomada consciente de decisão? O futuro é realmente o futuro ou somos apenas expectadores iludidos com uma falsa percepção de liberdade? O ser humano tem, para além de debates neurobiológicos, éticos, morais ou religiosos, verdadeiramente livre arbítrio sob uma perspectiva quântica?