Os ouvidos têm paredes
Nos últimos tempos parece que temos nos perdido da nossa capacidade de escutar. Melhor dizendo, perdemos a capacidade de escutar aquilo que soa em uma frequência diferente da nossa. Se estão falando o que queremos ouvir, então nos silenciamos, ficamos atentos e, no final, aplaudimos. Caso contrário, se estiverem falando sobre coisas com as quais não concordamos, ou então trazendo uma abordagem diferente da nossa para um mesmo assunto, então nos ensurdecemos. É como se nossos ouvidos se bloqueassem. Nada ouvimos. Nem mesmo queremos ouvir. Isso porque parece que tem sido a nós extremamente insuportável compreender que há pessoas com ideias e opiniões totalmente distintas das que possuímos.
“Antigamente diziam: cuidado, as paredes têm ouvidos. Então falávamos baixo, nos policiávamos. Hoje as coisas mudaram: os ouvidos têm paredes. De nada adianta gritar” (Ruy Proença)
Surgem, assim, os desencontros, desentendimentos e afastamentos. Se olharmos para um nível social veremos que as pessoas têm se matado por conta de opiniões. Não toleram um pensamento divergente e, assim, tratam de aniquilar o pensador. E não necessariamente falo da morte concreta, apesar que ela também acontece. Falo, sobretudo, de uma cultura intolerante de censurar e desqualificar todos aqueles que possuem visões diferentes sobre a vida. Seja qual for o posicionamento. Não importa em quem se vote. Nem mesmo a ideologia que se professa. Estamos todos suscetíveis a sermos silenciados por aqueles que, inflexíveis em seus próprios posicionamentos, não suportam saber que há outras maneiras de olhar para o mundo. Tentamos explicar, tentamos alcançar compreensão, mas as paredes são grossas e intransponíveis. Não querem ouvir. Não querem entender. Não querem aprender. Pensando que possuem “A Verdade”, acabam como alguém que ao aprender utilizar um martelo pensa que tudo é prego.
Essas paredes, no entanto, também se encontram em níveis mais íntimos, como dentro de nossas famílias. É como se as pessoas não mais se reconhecessem. Nem mesmo sabem sobre o que se passa com aqueles com os quais dividem o mesmo teto. Para além da dificuldade em aceitar opiniões diferentes, muitos não conseguem tolerar que o outro seja em si uma pessoa diferente. Por não haver espaço para o acolhimento e a aceitação dessas singularidades, cessam-se os diálogos, acabam-se as conversas, cada um aprisionado em seu próprio mundo, acorrentado no próprio silêncio. Crianças são diagnosticadas como “mal-educadas” e adolescentes são rotulados como “problemáticos”. Mas ninguém procura entender que os “sintomas” proeminentes nada mais são do que brados na ânsia da necessidade de atenção, afeto e companheirismo. As paredes têm causado dissensões que têm resultado em tragédias. E assim vivemos no mundo no qual estamos: confuso, caótico, com ninguém conseguindo ouvir por cinco minutos, com todos querendo falar, com todos falando, mas ninguém dizendo nem ouvindo nada.
É necessário que substituamos as paredes por pontes. E perceba que uma ponte serve para a conexão, para a ligação, e não para a transformação de um território. Não é por causa de uma ponte que determinada cidade deixa de ter os seus limites bem delimitados. A ponte simplesmente torna acessível que familiares que moram em lugares diferentes consigam, periodicamente, matar a saudade. As pontes nas nossas vidas podem ter a mesma função. Não precisaremos abandonar nosso jeito de pensar, nosso modo de viver, nossa maneira de entender a vida. Ao menos não agiremos como autoritários, ao contrário, teremos humildade para reconhecer que a vida é muito mais do que os nossos olhos contemplam. E que talvez ao nos permitirmos compreender como é que o mundo ao outro se apresenta, entenderemos suas dores e, para além disso, poderemos ajuda-lo a curá-las.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)