Hipócrita Divino XXII: Não sei por que eu bico

Quebrando todos os paradigmas do hipócrita divino, em que eram feitas em poesias, hoje decidi redigir, sendo hipócrita em dizer que não o faria, aqui estou. Mesmo que por tratar-se de pensamento, pensarei com carinho ao dizer todas essas palavras, a tristeza me consome, mas a esperança me renova, então estaremos em uma competição de quem vencerá primeiro, o devorador ou o renovador.

Muitas das vezes ao escrever o Hipócrita Divino, mesmo que deveria ser falado de deus para Deus, me perdia no personagem e falava de terceiros em minha vida, hoje, somente hoje, eu decidi ser egoísta.

Apesar de todos verem qualidades e sorrisos, tudo isso não passa de troféus empoeirados na prateleira do meu amargor, por mais que tentem iluminar essa prateleira, eu sei que a sombra é maior com as luzes acesas, tento, realmente tento achar essas felicidades que as pessoas sentem em mim, mas eu continuo sendo acima de qualquer título em que a vida me deu, o Rei Corvo, o Corvo Cerúleo.

O corvo, um animal injustiçado, que ironia, é conhecido por suas inúmeras penumbras, arauto da morte, mau agouro, pássaro da morte, mau presságio, amaldiçoado, guia das almas, nós humanos tendemos a sentir medo daquilo que temos medo, e demonizamos o medo da morte e seus sinais, por mais divinos que sejam, é um ciclo natural e nossa verdade absoluta.

Um sonho simples que é uma tarefa hercúlea, não precisamos escrever linhas e linhas pra descrever uma tarefa difícil e eu escreveria "vamos viver, um dia após o outro”. Mas essa será uma reflexão para um próximo dia, uma próxima lição que logo eu terei que enfrentar novamente.

Tenho trabalhado o amor-próprio, o amor ao próximo (empatia) e o amor profundo que é o que sinto com a pessoa que me faz feliz e faz querer ser feliz, porém, não esqueço minhas raízes primitivas de corvo, e sendo sempre um pássaro selvagem e nunca doméstico, a quem tenta acalentar minhas penas, por mais agradável mão seja em minha vida, eu bico, e muita das vezes, eu não sei por que eu bico.

Não sou um pássaro violento, não travo batalhas, apenas trago a mensagem ao final delas, e muita das vezes não são as minhas batalhas. Mas, em certos momentos, no meu viver eu bico. As plumagens ouriçam, os olhos focam, o bico farfalha e quando vejo, derramo sangue inocente e eu volto a compostura de um rei, não de um animal.

Gentileza, carinho, amor não estiveram no meu vocabulário por muito tempo, e quando esteve, foram-me tirados pela Colecionadora de forma cruel, do jeito exato que Ela gosta, tomando das mãos nuas enquanto se vai de forma onipotente. Ainda agora, tenho dificuldade de retomar todos esses sentimentos sem bicar, e eu não sei por que eu bico, as vezes sim, mas nessas mãos, eu não sei.

Então perco a compostura, não me fazendo de louco, nem gritando tampouco devolvendo violências que me são feitas, mas na omissão, que também é uma forma de violência, e eu pratico a bicada deixando de fazer o que esperariam de mim. E eu já demonstrei, entre muitas vezes que eu não sou dócil, não sou generoso, mas sempre fui um tirano em emoções e procurei me preservar, um egoísta genocida, matando sentimento e afastando pessoas, e ainda não sabendo por que eu bico.

E muitas vezes quando meu coração se machuca por causa das pessoas, a culpa é minha, talvez essa seria a expectativa? Ou o dissabor de ser difícil de me amarem, acredito que eu mereça sentir esse sentimento, também mereça ser feliz e estar feliz.

Como meu amado já disse para mim, semelhante a minha espécie de arauto da morte, não procuramos a morte, vivemos e como vivemos, mas a vida é difícil e muitas vezes desagradável, que em caso de acontecer, queremos ser abraçados pelas asas de um grande corvo. E muitas das vezes que procuramos esse abraço, não é por causa nossa, mas do que nós enfrentamos dia após o outro e entre os enfrentamentos, lá está minha bicada.

E quando eu pareço não entender, sinto julgamento de não parecer um homem honesto, apegando-me a medos que eu silencio, mas que ele me olha nos olhos e percebe, da mesma forma que quando falo que o amo, suas pupilas dilatam. Porventura o que me dizem as vezes me magoam, significando tanto na minha persona, mas eu não os sinto.

A quem mereçam as bicadas, trato em silêncio a violência infligida a mim, mas aqueles que me veem para mãos acalentadoras, eu bico, estou acostumado em ser machucado, e ainda sim quando tentam me curar, eu bico, e talvez eu saiba por que eu bico. A cura é um sentimento novo, pois estou acostumado com a ferida e seu sangramento, e, quando meu amado deseja me curar, da mesma forma que eu quero curá-lo, nos bicamos.

As vezes eu não sei por que eu bico, mas as vezes eu sei por que eu bico, a transição de domesticado para o selvagem é assustadora, e mesmo sendo um pássaro da morte, eu também tenho direito de sentir medo, sentir amor, sentir frio e sentir calor, e hoje está tão frio nesse sol do meio-dia. Tudo que eu faço pra me suportar e o que eu suporto para passar em segredo, todos me ouvem, poucos escutam, que as vezes o sorriso é o pedido de ajuda, lá vai o poeta, tentando subscrever o melancólico.

Eu não sou um pássaro violento, tampouco tenho prazer pela guerra, mas eu bico, e muitas vezes não sei por que eu bico, talvez na próxima reencarnação eu seja um outro pássaro, que represente algo menos aterrorizador com um papel divino menos doloroso, o Rei Corvo não quer ser tirano, nem suserano de terras áridas e castelos quebrados, vazios, eu quero ser o meu melhor, sem a imagem de um monstro. Aos leitores, esse é um desabafo de um Rei cansado e entristecido, que bicou alguém que ama, o turbilhão de sentimentos anteriores não é culpa dele, mas essa foi a gota d’gua de mim para mim mesmo, procurar ser menos desagradável.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 14/09/2024
Reeditado em 14/09/2024
Código do texto: T8151424
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