Destino irreparável

Há coisas que somos capazes de mudar. Se iniciamos uma faculdade, por exemplo, e ao longo do terceiro semestre descobrimos que aquele não é o nosso caminho, podemos voltar atrás, interromper aquele percurso e, em outro momento, com mais calma, tranquilidade e consciência, optar por um caminho que a nós seja melhor e faça um maior sentido. Entretanto, há coisas que somos tremendamente incapazes de mudar. Se alguém que muito amamos perde a sua vida em decorrência de um acidente inesperado ou de uma enfermidade que vinha se arrastando por algum tempo, nada podemos fazer quanto a isso, afinal, não temos o poder de decidir sobre a natureza, ela se impõe e a nós resta a aceitação do que não podemos mudar. Mas aceitar é doloroso. E como é!

“Ou mudamos o destino – se for possível – ou o acolhemos de boa vontade – se for necessário” (Viktor Frankl)

Há coisas que não mudamos, mas que também não precisamos aceitar em nossas vidas. Posso não gostar de determinada novela que estreou na televisão, mas o que posso fazer a respeito? Escrever uma carta para os diretores exigindo que tirem do ar e coloquem exatamente a que quero assistir em meus fins de noite? Claro que não. Posso, simplesmente, mudar de canal e começar a apreciar outro programa. Não preciso acolher a novela que não me cativou. Nem preciso sofrer porque é a única coisa que existe. Porque não é. Há outras opções. E, desde que eu me permita a elas, poderei apreciá-las.

Há coisas, no entanto, que não mudamos, mas que precisaremos aprender a conviver com elas porque ficar lutando contra a realidade é muito pior. Voltemos ao exemplo da perda de um ente querido. De que adiantará negar o que aconteceu? Ou o que mudará que eu pragueje contra o mundo e contra o Universo pela partida daquele que eu tanto amava? Posso fazer o que for. Posso escrever uma carta ao presidente da república. Será absurdamente inútil. Perderei energia, ficarei cansado, e não terei alcançado o meu objetivo. Vou ter que aceitar. Terei que acolher tal destino. Terei que aprender a conviver com uma ausência que em muito me angustia. Não tenho escolha. Não há o que fazer. A não ser acolher de boa vontade um destino irreparável.

Só que essa aceitação é dolorosa, é longa e é lenta. Sim. Não é tão fácil. Talvez seja para alguns. Mas, normalmente, tende a ser complexa. Isso porque aquilo que não mudamos no mundo exige de nós uma mudança na maneira como nos relacionamos com as coisas da vida. E a mudança interior implica em uma mudança na nossa identidade. Se perco um avô, por exemplo, terei que me acostumar com o fato de que, concretamente, já não sou mais o neto daquele avô. Se perco um filho, por exemplo, terei que me acostumar com a ideia de que, concretamente, não sou mais o pai daquele filho. É uma mudança na forma como nos vemos no mundo. Ainda que saibamos que aquele avô e aquele filho estarão para sempre vivos dentro de nossos corações, não poderemos mais presenteá-los, nem beijá-los, nem ouvir as suas histórias, nem responder às suas perguntas, nem sentir os seus abraços. Percebe? Uma forma de estar na vida muda totalmente perante um destino irreparável.

E isso exige de nós paciência e perseverança. Acolher de boa vontade um destino irreparável exige de nós tolerância para com nossos próprios sentimentos e necessidades. Não é tão fácil quanto gostaríamos. Mas também não é impossível desde que saibamos respeitar a nossa condição e ir em busca de ajuda quando a aceitação perante os fatos da vida estiver impedida demais. É necessário. E é necessário para que possamos continuar as nossas histórias. Para que o fluxo do tempo siga livremente encaminhando-nos a outros destinos, a outros momentos, a outras histórias! A aceitação abre portas que a negação trava. A aceitação é o que nos ajuda a, agora mais fortes, encarar a complexidade da vida e a nos permitir às novidades que se apresentem diante de nós.

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)