O cuidado genuíno
É importante tomarmos cuidado para não nos transformamos em pessoas extremamente autocentradas e individualistas que passam a ver o mundo, as pessoas e as situações dos lugares nos quais se assentam, considerando suas concepções e conclusões a partir desses lugares como as únicas possíveis, as únicas aceitáveis e as únicas verdadeiras. Isso é perigoso. Sobretudo num mundo como o nosso, repleto de divergências, diferenças e diversidades. Cheio de ideias diferentes, modos diferentes, jeitos de existir que se distanciam em certos momentos e acabam convergindo em ao menos um: encontrar a melhor maneira de por esse mundo passar. Autocentrados, não conseguimos olhar para o mundo para além de nosso umbigo, compreendendo que, como nós, cada pessoa vê o mundo a partir de seu próprio lugar, de dentro da sua própria pele. Individualistas, é como se quiséssemos que todos vivessem a vida como nós a vivemos e, então, acabamos resistentes para compreender as individualidades que diferem da nossa.
E não dá para ser assim. Sobretudo porque não sabemos as lutas e batalhas que pessoas bem ao nosso lado precisam enfrentar todos os dias. Tem gente lutando para se aceitar, por exemplo, e nós nem imaginamos. Tem gente nadando de braçada contra uma torrente de angústias e nós, em nossa insensibilidade, acabamos intensificando o sofrimento. Tem gente em desespero por não se sentir pertencente e nós oferecemos ainda mais exclusão. Isso porque não nos aproximamos das pessoas com o desejo de entendê-las e ouvi-las a partir de suas verdades, de seus lugares. Se formos nos aproximar, será para convencer, para transformar, para coagir que sejam como nós acreditamos que deveriam ser. Cometemos um equívoco horripilante. Capazes de curar, fazemos sofrer.
Como você lida com a diferença em sua vida? Tem espaço para compreender as pessoas? Tem abertura em seu coração para adentrar, de forma interessada e disponível, o coração do outro? Você quer cuidar das pessoas? Você realmente quer cuidar das pessoas? Porque demandar dos outros que sejam assim ou façam assado é muito fácil, fazemos isso de olhos fechados, inconscientemente, pelo mais puro poder do hábito. E isso, sinto muito, não é cuidado. É apenas a nossa forma de cuidar para que o mundo fique cada vez mais reduzido ao nosso próprio mundinho. Cuidar é olhar para o outro e ver não mais do que ele em sua condição, em sua verdade, em sua realidade. Mas não para transformá-lo a partir disso. E sim para compreendê-lo em sua especificidade. O cuidado genuíno, desinteresseiro, aceita o outro como ele é e o provem a partir de suas necessidades e não das daquele que cuida. O cuidado genuíno permite que o outro se apresente, conte a própria história e se revele. O cuidado genuíno não tem preconceito, nem discrimina, muito menos exclui ou aliena. O cuidado genuíno acolhe, sustenta, suporta. Não preciso abrir mão de quem sou para cuidar de alguém. Mas, mantendo-me em meu lugar, permito-me que o outro me conte como é estar no dele. E assim consigo entendê-lo e apreciá-lo. Consigo respeitá-lo e honrá-lo. Consigo amá-lo.
Porque cuidado é só o amor em mais uma de suas tantas formas.
E o amor, como escreveu Paulo, “não busca os seus interesses”.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)