O LEGADO DA MORTE
A morte é estranha. Uma súbita despedida sem um beijo, um abraço. Sem ao menos uma chance de dizer: “eu te amo!”. Não, ela não permite despedida. E por mais que os avisos de sua chegada sejam nítidos, ninguém quer se despedir. Ao contrário, gastamos até as nossas últimas energias para combatê-la. Não a aceitamos. Nem mesmo quando ela vem e leva quem amamos, a gente aceita. Não. O que acontece é que temos que viver com a inconformidade de sua presença. Ou da ausência que ela nos deixa.
E cada um de nós reage de uma forma diferente à morte. Uns gritam, esperneiam, choram. Outros se fecham, se desesperam. Outros se calam e finge nada sentir. São inúmeras as reações a esse fenômeno derradeiro. Porém, uma verdade que sempre gosto de seguir é o não medo de sofrer. Aceitar a dor da perda, não lutar contra ela, mas absorvê-la, deixar que ela queime minha alma. Suportar e aceitar o vazio da ausência de quem eu tanto amo. O meu modo de enfrentar as coisas da vida é esse: coragem de aceitar o bom e o ruim.
Quando não aceitamos a dor, tornamo-nos egoístas. Como, por exemplo, num momento de perda, desejar estar morto ao invés de viver a dor da partida de quem amamos. Isso é um pensamento muito egoísta, se não quero sentir aquela dor, por que desejar a outra pessoa? Coragem. Precisamos ter coragem para enfrentar o que possamos vencer e aceitar o que não podemos mudar.
Tem uma frase de João Guimarães Rosa que amo muito que é “o que a vida quer da gente é coragem”. E até mesmo para admitir o medo é preciso ser muito corajoso. Eu aceito a partida de quem eu amo. A morte é infalível, por isso não luto contra ela, nem me revolto com a sua chegada. Mas dói, dói muito a perda de quem amamos. E eu tenho coragem para aceitar essa dor. Eu tenho coragem de chorar no café da manhã. De passar o dia todo olhando para o teto com meu fôlego faltando. Porém, também tenho coragem de levantar, lavar o rosto e enfrentar a vida, mesmo destroçado por dentro.
Esse é quem eu sou. Muitos me chamam de forte, eu prefiro dizer que sou corajoso. E dentre as minhas muitas coragens, a que mais eu admiro é a minha coragem de sofrer. Não, eu não gosto de sofrimento, mas há dores que são inevitáveis assim como a morte. E por mais que pareça estranho, a melhor forma de se livrar dessas dores é aceitá-las. É vive-las com toda a intensidade que elas exigem da gente. Daqui a pouco sou eu que estarei partindo de mãos dadas com a morte. E essa dor será o legado que deixarei a quem me ama. Agora, assumo corajosamente o legado da dor que a morte me deixa nesse momento.