Mudar o mundo?
Já tive essa utopia
Na minha longínqua mocidade era normal essa pretensão
Isso implicava num caminhão de frustrações
Todas as causas grandes e revoltas
Continuam presentes
Estão guardadas num velho baú empoeirado
Do duelo entre romantismo e realismo muitas vítimas padecem
Eu sou um dos sequelados
Sobrevivi com severas dificuldades
Hoje meu aleijo me imobiliza a reagir com entusiasmo a qualquer novidade teórica
Tudo que já era pra ser dito já foi dito
Meu ceticismo só cede quando contemplo o sorriso dos inocentes
Ou escuto o canto dos pássaros
Nada adulto e humano me contagia
Ao contrário,
Tenho ojeriza a reuniões, partidos e igrejas
Nenhuma causa me causa ternura
Apenas a candura
Somente a bravura dos corações incoentes frente ao mundo me lava a alma
Me salva da amargura da vida dura
Na semeadura das ideias e da euforia
Me embriaguei com alegria frente a cortina de fumaça
Eles almejavam algum metal pra levar pra casa
Eu queria construir uma praça
Jardins e escolas
Brincar de bola
Regar um pomar
Agora estou guardado em meus muros
Esmurrando as ideias pra entender com o egoísmo venceu essa batalha
Todos estão em casa
Ilhas desertas
Cegos navegando no mar desigualdade
Gélidos contemplando a inanição social
Sei que o mundo vai mal
Mas já não quero mudá-lo
Sou apenas uma formiga
Sim apenas um rapaz latino-americano
Um suburbano sem poder
Um menino que cresceu e já não sabe onde estão os amigos da rua
A esperança anda nua
Violentada e amordaçada
Apenas com as crianças que vejo uma réstia de semente
O projeto é longínquo pra uma vida curta
Um dia o sol volta a brilhar
E a praça ficará cheia de gente