Ah! A eterna insatisfação...
A eterna insatisfação da mente, do corpo, da mão, do ser, do coração, do homem.
Se pudéssemos escolher... Mas escolher o quê, se não conhecemos nem o que somos, o que queremos?
E se fosse professora? Quereria ser aluna? É que sou aluna em tudo e isso cansa. Sou aluna do mundo, mas este mesmo mundo não me deixa aprender, só me prende.
Minhas mãos correm sobre o papel e discorrem sobre um não-sei-o-que, mas a necessidade me move. Minhas mãos precisam das letras. Feliz é este dia em que as letras se dão ao meu conhecimento. Eu sei que minha letra não vale vintém, mas vale ardor de vida viva, vale um orgasmo literário... Minhas mãos, que tantas vezes percorreram letras escuras, notas fiscais, memorandos, agendas, teclas de telefones, letras prontas, já desgastadas pelo uso, agora percorrem o papel em branco, marcado apenas por pautas. Mas nem as pautas me agradam, as pautas também estão gastas. Apenas o branco, este sim me afronta, gera em mim anseio e desejo e me aflijo por preenchê-lo incessantemente, mas com intervalos que, por mais que me esforce, não são possíveis de serem preenchidos com a caneta. E isso me frustra. Queria que a caneta escrevesse dentro de mim e com letras bonitas declarasse o que sou, o que busco, o que possuo. Mas a caneta é morta, ela só se passa por viva quando se movimenta dançante sobre o papel. Ao menos eu sei uma função minha: iludir a caneta de que ela vive. E ela vive por minhas mãos, que só vivem quando abraçam, envolvem, aquecem a caneta morta. Na verdade a vida não está em mim ou na caneta ou nas mãos, a vida está no papel que deixa de ser branco. E esta vida não morre jamais. Talvez esta constatação me motive a não cessar nunca. É desta forma que eu posso cumprir meu papel de crescer e multiplicar, crescer em mim mesma cada palavra lançada aqui e multiplicar a cada olhar que será recebido por essas palavras um dia. Os olhos também escrevem, sabia? Eles só não seguram canetas. Às vezes eles (re)escrevem melhor do que as mãos. Mesmo porque as mãos são superficiais, a não ser que estejam traduzindo algo profundo o suficiente para serem interessantes. Os olhos não, são indizivelmente mais obscuros, não há movimento do globo ocular que nos faça desvendar seus mistérios, eles não fazem letras, por isso mesmo escrevem melhor, não estão presos à forma, à língua, a nada, são livres, assim como eu gostaria de ser.