SOBRE O PAI QUE EU NUNCA CONHECI
Passei a vida toda ignorando essa data; o domingo de Dia dos Pais sempre foi uma tortura para mim. Eu só queria que ele não existisse, pois nesse dia me sentia mais vulnerável, e o mundo todo parecia saber que eu não tinha um pai.
Não havia fotos para postar nas redes sociais, declarações públicas, ou até mesmo a presença de um pai, o que denunciava minha dor e meu despeito. Por mais doloroso que possa parecer, eu cresci assim, esperando por alguém que pudesse preencher aquele lugar e ocupar as lacunas vazias do meu coração e da minha história.
Nunca houve esse alguém, apenas uma senhora adorável que soube ser mãe, pai, avó, e tudo mais que eu precisava para crescer segura e feliz.
Cresci tendo que conviver com essa ferida aberta; até hoje ela sangra, mesmo já calcificada. Foram anos esperando o dia em que alguém gritaria meu nome no portão, nos abraçaríamos, e minha vida toda seria transformada a partir dali.
Mas esse dia nunca aconteceu, e ainda é a lembrança mais dolorosa da minha infância. Em uma realidade normal, uma criança jamais deveria sonhar em reencontrar o pai.
Somente anos mais tarde, numa noite muito fria de julho, descobri a verdade. O pai que sonhei em conhecer, o pai que esperei vir me procurar, o pai que me dera seu sobrenome, mas não tinha rosto nem forma. O pai que eu nunca viria a chamar de pai, se fora.
Ele não mudara de cidade ou de país; não, ele se fora para sempre. Sua viagem não tinha volta. Eu e ele estávamos condenados a viver longe um do outro por uma vida inteira, e nada do que eu fizesse poderia mudar essa realidade.
Então chorei. Pela primeira vez em 20 e poucos anos, chorei por ele e por mim também. Chorei pela esperança perdida, chorei pelo encontro que nunca aconteceria, chorei pela crueldade do destino e pela sentença impiedosa que nos impuseram.
Chorei por uma noite, e amanheci estática, flagelada, desconcertada, e zangada com o destino. Não podia ser real. Agora não teríamos mais nenhuma chance, nenhum abraço, nenhum reencontro.
Eu levaria seu sobrenome, seu sangue nas veias, mas jamais seríamos pai e filha. Eu jamais iria conhecer o som da sua voz, ou saber como ele pronunciava o meu nome.
A dor me invadiu por completo. Eu praguejava o destino e reclamava com Deus o porquê de tanta crueldade.
Naquela noite em que o perdi, descobri também que ele me queria. Jamais me desprezara, e passara os últimos 20 e poucos anos reclamando a minha ausência, sentindo uma dor sem fim que lhe fez desistir de tudo e renunciar à própria felicidade. Deixou que a solidão tomasse conta de si e absorveu a saudade na própria carne e fez da dor como única companheira.
Eu sempre penso que poderia tê-lo curado se o destino fosse mais generoso conosco.
Nosso primeiro encontro aconteceu em seu túmulo e pousei na terra seca um arranjo de girassóis, nosso primeiro contato com sete palmos de distância, pois a longitude de um céu nos separa.
Esse texto não tem final feliz, assim como não houve na vida real.Hoje é a primeira vez que escrevo sobre tal, e não sei como fui capaz de fazê-lo.
Talvez seja a tal maturidade, ainda assim é mais um Dia dos Pais sendo uma filha órfã.