O livro
Minha terapeuta me pediu para segurar um livro pesado com os dois braços estendidos à frente do corpo e eu o fiz. Continuamos conversando por algum tempo, senti meus braços doendo e ainda assim não soltei o livro. Então ela me perguntou se eu estava desconfortável e só então eu disse que sim. Ela pegou o livro das minhas mãos e perguntou porque eu não havia reclamado, soltado o livro, demonstrado que aquela posição não estava me fazendo bem. Naquele momento vi minha história passar diante de meus olhos.
Por quase toda a minha vida eu assumi responsabilidades como compromissos dos quais eu não poderia abrir mão, mesmo que me ferissem. Família, amigos, colegas de trabalho, relacionamentos afetivos reais ou platônicos. Sempre me coloquei à disposição de ajudar, apoiar, proteger, suportar pesos, dores, escolhas, sofrimentos que não eram meus. Foi a forma que eu aprendi de demonstrar o quanto me importava, que poderia estar lá para quem era importante para mim, que as necessidades da outra pessoa estavam acima das minhas, agradando-as. Em 90% das vezes as mesmas pessoas receberam o que eu entreguei e foram embora ou me machucaram profundamente. Algumas ainda disseram quase como um cuspe na cara: "fez porque quis, eu não pedi", mesmo que antes da minha presença tivessem passado anos a fio clamando por alguém que lhes tratasse como eu as tratei.
Eu sempre me preocupei em ouvir as carências e as tristezas, as necessidades, as súplicas, as vontades, os desejos, a enxergá-las, dar a elas motivos para sorrir, superar os problemas e ter esperança em dias melhores e então entregar o que diziam esperar de alguém: desde abrigo, suporte financeiro, ouvir seus desabafos, atender alguns de seus sonhos, motivá-las, mostrar o quanto eram especiais, tentar ajeitar suas vidas para que fossem felizes, para que se realizassem, para que encontrassem um sentido e um significado nelas próprias. O cuidado, quase como o zelo de um anjo da guarda, se tornou minha forma de agir. Mesmo que eu não recebesse reciprocidade. Mesmo que muitas vezes eu não estivesse bem e ainda assim, silenciasse minhas próprias dores e angústias, para me dedicar a cura de outras pessoas.
Eu sempre achei que quando se encontra uma pessoa que escolhe fazer isso por você, mesmo que ela não tenha essa responsabilidade, o valor a ser dado a uma pessoa assim, o amor, a gratidão, o acolhimento deveriam ser um divisor de águas na vida. Isso porque quase não existem pessoas assim. Achava, erroneamente, que sendo assim inspiraria outras pessoas a serem também e encontraria pessoas assim no meu caminho, dispostas a serem recíprocas comigo. Me enganei imensamente e só encontrei duas pessoas assim em toda a minha vida: minha mãe e um amigo de longa data que se tornou um irmão de coração. Todo o restante apenas recebeu e partiu ou "me quebrou" antes de partir.
Sei que entreguei coisas que essas pessoas, todas, sempre quiseram receber e nunca receberam antes. Sei que dei o melhor de mim, mas essas pessoas nunca quiseram receber de mim, têm suas idealizações e ao longo da vida sempre se voltaram para a valorização por amizade, parceria ou amor daqueles que nunca se preocuparam de verdade com elas, com seus sentimentos, com suas expectativas e necessidades. No final, essas pessoas sempre quiseram estar com quem não as quis. Isso porque no fundo, para elas, o que tem significado é a indisponibilidade, é o desejo de passar a vida inteira em busca de que alguém impossível se torne possível. A eterna insatisfação humana.
As várias mágoas da vida e esse exercício terapêutico me ensinaram a recuar, a me fechar, a não estar mais disponível e, principalmente, agora, me perguntar: "aquela pessoa me faz feliz?" Pois, não desejo mais envidar esforços para fazer feliz quem não quer fazer o mesmo por mim. Mesmo que alguns digam "o ato de amar não deve esperar nada em troca", geralmente, são os que recebem sem querer retribuir que fazem essas afirmações. Amar é sim esperar algo em troca, esperar carinho, tempo, amor, dedicação, agradecimento, entrega, cumplicidade. Se não há isso, se torna uma planta que seca no deserto e morre.
Não quero mais segurar o livro pesado da vida de outra pessoa, sentindo desconforto, sem receber as ações de ternura que eu mereço, só para que a outra pessoa se sinta mais leve para correr atrás de alguém impossível que jamais segurará seu livro como eu fiz várias vezes. Pessoas que não conseguem reconhecer o valor de quem por elas carrega um piano, não merecem escutar meus melhores concertos, minhas melodias mais suaves e apaixonantes. É jogar ao léu estrelas douradas, é plantar pérolas em terreno lamacento. Nada cresce em solo estéril.
Meus sentimentos não são baratos, meus cuidados não são para qualquer um, minha atenção não é para quem pouco caso dela faz. Hoje só me interessa quem esteja disposto a segurar o livro comigo, a me fazer sorrir, a ouvir as músicas da vida ao meu lado, a fazer da leveza dos dias algo de ambos, sem egoísmos. Na amizade, no trabalho, na família ou no amor, sem um enternecer mútuo, sem um bailar conjunto, sem um abraço de dois, não há convivência possível. Compreender que o agrado ao outro só é válido se o outro se empenha também em te agradar, sem narcisismo, é uma libertação da alma e do coração. Ninguém merece receber o que é incapaz de ofertar em troca. Assim como ninguém deve aceitar ofertar algo sem receber nada em reciprocidade. Sentimento de via única é uma faca cravada no âmago.