“Superdotados ‘necessariamente’ aprendem mais rápido?”
“Superdotados ‘necessariamente’ aprendem mais rápido?” Acho que nesta pergunta há uma pressuposição oculta, que poderia expressar na seguinte proposição: aprender mais rápido é demonstrar por meios formais que se aprendeu algo mais rápido do que o tempo médio das pessoas. E eis que nesta proposição reside uma premissa: aprender mais rápido pressupõe uma relação com o referente de subordinação ante os meios formais e, por conseguinte, de reconhecimento de terceiros que os aceitam. De outra forma, o "aprender mais rápido" não é analisado e conceituado por si, e sim por meios extrínsecos não necessariamente relacionados a ele.
Como a aprendizagem é uma variável latente, faz-se necessário, primeiramente, correlacionar a variável observável diretamente ou indiretamente com ela. Posteriormente, deve-se especificar a natureza de tal correlação. Assim sendo, provavelmente haverá um equívoco na inferência de que alguém não aprendeu rápido (que pode ser visto como um falso negativo) ou que aprendeu rápido (falso positivo), principalmente quando se considera apenas uma variável. O que infelizmente acontece na academia e esta variável é o desempenho em uma prova escrita.
Também conseguimos observar por outros meios, como em um diálogo/entrevista, testes de múltiplas camadas (quando há uma justificativa correta e um equívoco na conclusão, que aponta para um "conceito equivocado", na literatura "misconceptions") e na mensuração da confiança que há outras variáveis em questão. Por exemplo, a alta insegurança, que pode levar ao esquecimento e ou ao misconception. O perfeccionismo que pode levar ao que anteriormente comentei e também a uma maior "lentidão", dado a autocobrança exagerada. Neste caso, para o indivíduo é preferível o máximo de aprofundamento, que leva ao domínio dos detalhes, ao invés de um hipotético reforço positivo. Onde para ele pode ser apenas algo banal, ou pode se julgar tão aquém que não tenta ou tenta e fracassa, haja vista, o fenômeno psicológico simétrico ou a contraposição do efeito Danny-Kruger. E assim por diante.
É importante salientar que há outra questão. Que é quando o indivíduo possui Altas Habilidades ou Superdotação (AH/SD), mas também possui um transtorno do neurodesenvolvimento associado, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), denominamos esta condição de Dupla Excepcionalidade. Indivíduos que apresentam tal condição frequentemente rendem muito abaixo do seu real "potencial cognitivo", por conta do transtorno associado se sobrepor à super inteligência, geralmente quando não há uma devida atenção a ele. De outra forma, há uma conjunção entre as características comumente negligenciadas da superdotação e os déficits dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD). Em relação àquelas características, temos que elas são subprodutos da condição multifatorial e complexa que temos no AH/SD. Nesta perspectiva, podemos constatar, por exemplo, por meio de inferências, que os superdotados naturalmente enfrentam dificuldades de socialização, dado o interesse nada convencional, se adotarmos a distribuição média da população como parâmetro, dificuldade de lidar com as próprias emoções e, por consequência, com a dos outros por causa do excesso de racionalização. Além disso, na amostra geral dos superdotados (sem levar em conta as subcategorias que podem decorrer dos diferentes percentis que distam cada vez mais da média geométrica, expresso pelo centro demarcado da esquerda à direita antes do sino da curva gaussiana, em um desvio padrão a direita) observamos que eles possuem uma maior probabilidade de desenvolver patologias, como baixa imunidade, e desordens psicológicas por conta de sua alta inteligência, tendo em vista, que o alto consumo de energia (glicose e outros compostos) pelo neurônio para ocorrer a sinapse elétrica, as comunicações inter-hemisférica, intracortical e intercortical, trazendo as vias neurais e os circuitos neurais, respectivamente, é extremamente desgastante para o encéfalo.
Assim, eles poderiam até mesmo não pontuar bem em um teste psicométrico voltado ao Quociente de Inteligência (QI) por suas funções cognitivas e executivas não estarem sendo bem aproveitadas, dado a entrave do cansaço ou até mesmo em uma avaliação neuropsicológica completa. Da mesma forma, as funções executivas estariam ainda mais defasadas no superdotado com TDAH. Gerando um descompasso ainda maior entre a sua real inteligência e o seu real desempenho. Da mesma forma com as funções cognitivas e executivas do superdotado portador do TEA, dado que temos uma sobrecarga cognitiva inerente à própria condição. Tal sobrecarga é consequência de redes neurais não tão funcionais, dado o fato da primeira poda neural ser atípica, por exemplo. Invariavelmente, em todos os casos a metacognição não ocorrerá tal como comumente esperaríamos.
É importante destacar que a inteligência hoje pode ser inferida, em um certo ponto, por meio de um teste de Teoria de Resposta ao Item (TRI) validado, que visa medir a Inteligência Fluída e a Inteligência Cristalizada, posteriormente, fazer uma média e comparar com a média da população, observando com quantos desvios padrões dista da média, seja o desvio padrão à direita ou à esquerda. Tal desvio padrão é tido comumente como 15 pontos, onde 15 pontos acima (indica) que o indivíduo é uma vez mais inteligente que a média das pessoas, a contrapositiva também é válida. Contudo, isto é apenas um indicador, a média geral normalmente é tida como 100, mas o teste em questão pode usar o QI médio do país como comparação/parâmetro. Além disso, tal teste visa estimar o fator G, que teria um fator genético hereditário, mas não é um genótipo, pois é consequência de uma interação complexa entre os genes e o ambiente.
Por fim, há pesquisadores que desenvolveram o teste de QI com diferentes métricas e parâmetros. Uns colocam o QI acima de 125 como um dos critérios para ser superdotado, outros acima de 130, outros fazem distinção entre QI de superdotado, e de gênio, outros definem o gênio apenas a partir dos seus feitos, o que é bem mais sensato. Pois para além de toda a discussão, temos o caso de uma pessoa facilmente considerada gênio, que não teve a pontuação sequer de superdotado naquele teste específico. Trata-se do grande físico ganhador do prêmio Nobel Richard Feynman. Em suma, pesquisadores e especialistas discordam quanto a diversas questões no que concerne ao teste de QI, como a questão do valor de corte para classificar alguém como superdotado, o que por sua vez não significa que não concordem em outros pontos. E felizmente eles concordam, e deste consenso acadêmico surge estes pontos: o teste de QI não é um critério necessário e suficiente para classificar alguém como superdotado, a inteligência é algo multifacetada, o que requer uma estatística multivariada e inferencial, e a inteligência só pode ser inferida com uma certa confiança quando consideramos outros critérios, dado que também é uma variável latente. Deste modo, a inteligência é mensurada como potencial cognitivo e vista como o quanto de potencial cognitivo alguém tem a mais do que uma dada média, daí também a importância de levar a história em conta quando usamos o vocábulo “gênio” como significando “alguém altamente inteligente”, haja vista, que o primeiro teste de QI surgiu apenas em 1905. Além de que, muitas pessoas que consideramos gênios não fizeram um teste de QI, ou melhor, não possuímos nenhum registro de que tenham feito, como o próprio Einstein.