Homens silenciados
🌻 A maneira como meninos e meninas são criados em nossa cultura difere em diversos aspectos. E não quero aqui fazer um discurso que tente “desorganizar’ as coisas no sentido de tirá-las de um polo e colocá-las em outro, ou seja, trocar um deveria por tantos outros deverias. Quero problematizar. Isso porque, no que diz respeito a emoções, sentimentos e afetos, área na qual tenho um pouco mais de conhecimento, essa diferença fica ainda mais nítida, trazendo desdobramentos que se perpetuam por toda uma vida, passando de geração em geração. Às meninas é permitida a dimensão do sentir. Elas podem chorar e podem se expressar. São até mesmo estimuladas a isso, e, então, quando crescem, conseguem conversar com suas amigas sobre as mais íntimas das questões que carregam consigo. Claro que existem exceções. Mas no geral, tende a funcionar dessa forma.
🌻 Aos meninos, entretanto, a dimensão do sentir parece ser negada. Não podem chorar, precisam ser competitivos, devem demonstrar força e valentia, não deveriam sentir medo, precisam vencer! São estimulados às conquistas e às vitórias, como se apenas essas coisas fizessem parte da existência. E acabam negligenciados no que diz respeito ao lidar com fragilidades, vulnerabilidades e eventuais fracassos. Acabam silenciados quando tentam expor seu sofrimento. “Homem não chora”, é uma frase clássica. Mas além dela, há muitas outras formas de desqualificação do sofrimento do homem, não importa se ele é apenas uma criança. Deve engolir o choro e aguentar as pancadas da vida. Acabam crescendo. Fazem amizades, claro. Mas num nível superficial. Muitos não sabem as dores de seus amigos. E muitos não conseguem dividir suas angústias com aqueles que convidam para uma cerveja no final de semana. Tantos entram em colapso. Afogados num turbilhão de sentimentos que não conseguem compreender, acabam buscando alívio em vícios e em tantos outros meios totalmente disfuncionais.
🌻 Como eu disse no começo, não quero combater uma regra (“não expresse o que sente”) impondo outra (“abra-se completamente”). Quero problematizar questões que trazemos conosco a tanto tempo (muitas vezes sem a mastigação necessária para compreendermos se aquilo nos é satisfatório ou não) para que, assim, reflitamos se fazem ou não sentido na maneira como queremos existir. Isso porque há pessoas que genuinamente não gostam de expor suas intimidades. E quando digo “genuinamente” é porque se sentem realmente confortáveis assim, mantendo-se discretas. Entretanto, há tantas outras pessoas que, desejosas por dividirem aquilo que carregam em seus corações, acabam limitando-se por introjeções sobre como deveriam ser, sufocando como realmente gostariam de existir.
E esse é o problema.
🌻 Muito falamos sobre a opressão que as mulheres sofrem em nossa sociedade. Uma opressão injusta, cruel e bárbara que se arrasta ao longo dos séculos. No entanto, pouco falamos sobre a opressão que tantos homens enfrentam dia após dia, precisando dar conta de uma expectativa que lhes é imposta no sentido de atenderem a determinados padrões sem que sejam consultados quanto às suas próprias expectativas e idealizações para o humano que buscam ser. E eu acho que essas opressões, tanto a que se impõe sobre as mulheres, quanto a que aprisiona os homens, acabam, de alguma forma, se alimentando e confluindo. Isso porque, no ato de serem silenciados, os homens acabam distantes emocionalmente de suas parceiras ou parceiros, de seus filhos, de suas famílias e de seus amigos. Parecem indiferentes e apáticos. É como se não se importassem. Algumas esposas, por exemplo, se questionam se seus maridos realmente as amam já que, pelo menos em palavras, isso nunca apareceu. Muitos filhos, angustiados, chegam aos consultórios de psicoterapia em busca de respostas a fim de saberem se são ou não importantes aos seus pais que, dificilmente, lhes dirigiram palavras de afeto como fazem suas mães. E não é que os homens não sintam, não é que não amem a suas esposas ou aos seus filhos. Claro que sentem e claro que, normalmente, amam. Só que nunca aprenderam a expressar seus afetos e sentimentos. Como fariam agora? Como seriam diferentes? E assim vamos tendo essa sociedade de homens que, “fortes”, assustam-se e desconcertam-se com a possibilidade de sentir.
🌻 Hoje, no que diz respeito a esse assunto que pretendo abordar outras vezes mais, quero propor que olhemos para os nossos meninos com mais compaixão e sensibilidade respeitando o seu direito de sentir e dando-lhes a liberdade de expressarem aquilo que sentem, de falarem quando têm medo, de dizerem que amam quando isso for verdade, de chorarem quando as lágrimas forem tudo o que conseguirem fazer a fim de desafogar um coração desesperado. Eles serão, em um breve futuro, os homens que comporão nossa sociedade. Se quisermos homens realmente fortes, que vão atrás do sucesso e da autonomia, mas que também são capazes de acolher e integrar suas inevitáveis vulnerabilidades, precisamos atuar logo no começo, na base, no alicerce de onde partirão. É triste ver homens que nunca conseguiram declarar um “eu te amo” às pessoas que lhes eram as mais importantes e especiais desse mundo. Assim como é triste acompanhar a tantos garotos que, tornando-se homens, ficam se perguntando se são mesmo amados por seus pais, figuras que, normalmente, admiram e tentam imitar. Mas acredito que há esperança e há salvação. Se não acreditasse, não estaria aqui. Espero que você acredite também! E esse é apenas o nosso primeiro passo.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)