Vamos pensar um pouco nos animais? (Não só os pets)

Introdução

A libertação animal e o reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos tem sido temas de discussões já há algum tempo. Caberia perguntar se a questão sobre o direito dos animais entraria no campo da Ética. Tendo em vista diversos filósofos já terem exposto sua opinião acerca do assunto invocando preceitos éticos de igualdade entre os seres, observamos que é nesse campo que continuaremos buscando a evolução dos conceitos de liberdade.

Este artigo focará principalmente nas ideias e argumentos do filósofo Peter Singer, autor do livro Libertação Animal, de 1975.

Ele faz um paralelo dos direitos dos animais com o racismo e o sexismo, que são preconceitos que, infelizmente, até hoje não foram totalmente abolidos do meio humano, mesmo nas sociedades mais avançadas intelectualmente.

Uma das ideias centrais do tema é deixar claro para todos que a nossa relação com os animais presume crueldade e, na maioria dos casos, morte. Outro aspecto do estudo sobre os direitos dos animais é esclarecer que, por pouco que seja divulgada, a causa animal conta com milhões de pessoas e instituições pelo mundo.

Todos os animais são iguais

O especismo, que é a discriminação que a humanidade faz em relação aos que não são da nossa espécie, é um comportamento humano que em muito se identifica com o racismo. Essa discriminação leva a maioria de nós, mesmo que seja por tradição, a tratar os animais como coisas. Por isso vemos pessoas que lucram com o cruzamento de raças, principalmente cães, para dar origem a uma nova raça que tenha características que agradem e sirvam aos caprichos de algumas pessoas.

A igualdade defendida por Peter Singer e corroborada por outros estudiosos, não implica em tratamento igual para homens e animais. Nem mesmo entre os homens. Mas consideração igual para todas as espécies. Para ele “A consideração igual para espécies diferentes pode conduzir a tratamento diferente e a direitos diferentes.” (pág 20). A diferenciação de tratamento de indivíduos diferentes não significa que os direitos de uns são subordinados aos de outro.

Jeremy Bentham, utilitarista, assim como Singer, propõe que “cada um contará como um e nenhum por mais do que um.” (p. 325). Esta afirmação deixa claro que a individualidade deve ser respeitada, mesmo ao se dispensar tratamentos diferentes mas equivalentes a todos, dentro de suas peculiaridades.

Nada indica que há capacidades superiores entre os humanos definidas por raça ou sexo, por isso racismo e sexismo são conceitos equivocados. O mesmo se aplicaria ao especismo, guardadas as devidas diferenciações próprias de cada espécie. Não podemos esperar que uma ave compreenda um conceito subjetivo como uma eleição de um líder através do voto. Mas, enquanto ser vivo, deverá gozar da liberdade de ser o que já é; de seguir seu instinto sem que nós, como espécie racional, interfiramos no seu viver, principalmente se for pra causar sofrimento e morte.

A própria igualdade entre os homens não pode depender da inteligência, de capacidade moral, força física nem características semelhantes, mas estritamente de uma ideia moral. Ou seja, por ser homem, há que ser tratado como um ser moral, detentor dos mesmos direitos que os seus iguais.

Ao compreendermos melhor o conceito de igualdade, torna-se mais fácil estendermos este conceito aos animais, pois discriminar com base na espécie não é muito diferente de discriminar com base na raça ou no sexo.

A relevância moral que pressupõe direitos é a possibilidade de experimentar sofrimento. Se os animais podem sofrer, devem ter direitos que garantam que sejam poupados de sofrimento. Descartes afirmava que os animais não tinham alma, por isso seriam incapazes de sentir dor. Hoje este argumento parece bem ingênuo pra qualquer pessoa que tem a oportunidade de um visitar um matadouro ou que tenha um mínimo conhecimento de anatomia pra constatar que os tremores que tomam conta do animal prestes a morrer, são efeitos de um sistema nervoso que pressente a proximidade das dores e da morte.

Se os animais não sabem o que é um direito, faz sentido falar de direitos deles? É justamente pelo fato de poderem sofrer e não terem a capacidade de resistir e reclamar seu direito ao bem-estar que torna o homem responsável por garantir liberdade aos animais.

Poucos de nós se questionam sobre os procedimentos utilizados para testar as centenas de produtos químicos que fazem parte do nosso dia-a-dia. Animais são transformados em cobaias para atender geralmente a caprichos humanos. Se todos pudessem visitar um laboratório de testes em animais, com certeza alguma coisa mudaria em sua forma de pensar o uso cruel e injusto que fazemos dos animais. Ben Dupré explica a incoerência dos testes em animais:

Testar a toxicidade de um produto num rato só vale a pena (supondo-se que seja ético fazer isso) se ratos e homens forem suficientemente semelhantes em aspectos fisiológicos importantes a ponde de conclusões úteis para os humanos poderem ser tiradas de informações originadas de ratos. (DUPRÉ, 2015, p. 107)

Somado a isso, a noção de avanço da ciência através de testes com animais não é uma realidade provável. Alguns avanços médicos não foram devido a testes com animais, pelo contrário, os testes em animais impedem o avanço do conhecimento dos efeitos das doenças em humanos, devido à discrepância de efeitos em homens e animais causados pelas drogas testadas.

Criação intensiva

A criação intensiva revela a forma cruel que dispensamos aos animais. Animais que são criados apenas para servirem de alimento, se pudessem falar, diriam que não tiveram vida, apenas existiram. Isso é perceptível quando se visita uma granja de criação intensiva de frangos. Eles são obrigados a comerem sem parar, por haver luzes iluminando também à noite para não terem noção da hora de dormir; seus bicos são queimados para evitar que se biquem até a morte devido o estresse do confinamento; hormônios são aplicados para que estejam em ponto de corte em 45 dias. Vacas são inseminadas constantemente para manterem a produção de leite ininterrupta, e quando nascem os bezerros, se forem macho, vão ser separados da mãe, presos numa jaula de forma que não possam se movimentar para não endurecer os músculos, e sem o leite materno, se tornem anêmicos, condição imprescindível para a produção da vitela, carne pálida e macia.

Vegetarianismo e veganismo

Um grande passo para a libertação animal é a adoção de uma dieta vegetariana. Mas não é tudo. Um conceito mais abrangente e eficiente para garantir os direitos animais é o veganismo, que propõe a total exclusão de produtos de origem animal para uso humano. Inclusive as aparentemente inofensivas atrações artísticas, como utilização de animais em circo, zoológico e safáris.

Peter Singer afirma:

Protestar em relação às touradas realizadas em Espanha, ao consumo de cães na Coreia do Sul ou ao abate de focas bebês no Canadá enquanto se continua a comer ovos de galinhas que passam as suas vidas amontoadas em gaiolas, ou carne de vitelas que foram privadas das mães, do seu alimento natural e da liberdade de se deitarem com os membros estendidos, é como denunciar o apartheid existente na África do Sul enquanto se pede aos vizinhos para não venderem a casa a negros. (SINGER, p. 128)

Mas a mudança de dieta já é um excelente começo. Especialmente por trazer um ganho de saúde e diminuição de propensão a doenças.

Singer chama a atenção para a desvantagem em relação ao ganho de proteínas que são disponíveis para os seres humanos: são necessários 11 kg de proteína em ração para produzir 1/2 kg de proteína para consumo humano. Ou seja, menos de 5% do investimento. Outros fatores importantes que devem ser levados em conta são devidos ao exorbitante rebanho bovino que não existiria se não houvesse a inseminação artificial, que são o aumento do efeito estufa, causado pelas fezes dos animais, e a contaminação por urina dos lençóis de água subterrâneos. O consumo de água pelo colossal rebanho também é um problema que leva à escassez desse líquido. (SINGER, p. 129). Em média, para se produzir um quilo de carne, são necessários 5 mil litros de água consumidos durante a vida do boi até o abate.

Os animais são alimentados com cereais que poderiam ser consumidos diretamente pelos seres humanos. Isso leva a observar porque existe tanto pasto destinado aos rebanhos de corte; que leva a constatar a necessidade de desmatamento de florestas, que também é um fator crucial para o aquecimento global.

Considerações finais

Peter Singer defende argumentos sólidos em defesa dos direitos dos animais não-humanos, como o princípio ético que norteia a igualdade humana nos obrigar a ter igual consideração para com os animais.

Hoje em dia, apesar da razoável quantidade e facilidade de fontes de informação sobre vegetarianismo e direito dos animais, muitas pessoas que são apresentadas a todos estes argumentos, permanecem inflexíveis e contra-argumentam que os animais não podem ter direitos porque não tem deveres. Este argumento é falacioso, pois se nós impomos tarefas aos animais, seja de treiná-los para levantar a pata pra cumprimentar a plateia, seja pra puxar uma carroça, isso passa a ser uma obrigação deles perante o homem, ou seja, são deveres. Além disso, crianças e deficientes mentais também não tem deveres e nem sabem o que é ter direitos, mas os tem.

Bibliografia consultada

DUPRÉ, B., 50 ideias de filosofia que você precisa conhecer, tradução Rosemarie Ziegelmaier, 1ª edição, São Paulo, Editora Planeta, 2015.

SINGER, P., Libertação animal. Versão digital.

VÁRIOS COLABORADORES, O livro da Filosofia, tradução Douglas Kim, 6ª reimpressão, São Paulo, Globo Livros, 2011.