"Ser ou não ser" nem é bem a questão
Há mais de vinte anos li um livro que me ajudou a atravessar um momento muito difícil da vida.
Eu vivia um casamento falido e o livro era sobre a relação tóxica de um casal, com impacto direto nas crianças – que o pai, após um divórcio tempestuoso, raptou e manteve longe da mãe por mais de dois anos.
A mulher não era nenhuma santa – mas qualquer um que convive com um narcisista (o caso do homem) parece que se contamina de ruindade (como forma de revidar para sobreviver) e/ou baixa autoestima (como forma de se diminuir, para sofrer menos – e sobreviver).
Ela não desistiu de buscar os filhos; no processo, perdeu muito, inclusive a relação com o homem que amava e que a amava.
(O ciclo é vicioso e simples: a dor da perda não permite ser feliz com nada - mas todo mundo precisa de um pouco de alegria, senão a vida vira uma grande merda - o sofrimento de outrem é cansativo e pesado a quem não sofre - então, quem não está sofrendo se afasta de quem sofre demais - que passa a sofrer mais ainda. Romper o ciclo é fundamental, e dar e receber amor é sempre a resposta.)
Mas no processo ela aprendeu muito, ao ponto de, ao reencontrar o ex marido e retomar as crianças, dizer para ele uma das frases mais emblemáticas que já li: “Você terá que decidir se seu amor por nossos filhos é mais importante que seu ódio por mim.”
Em menor e maior grau, todas as relações – entre amigos, amantes, pais, filhos, irmãos – são tóxicas e libertadoras: âncoras pesadas em certos momentos, em outros, velas enfunadas, mar revolto, cais...
E se tivermos um pouco de sabedoria, generosidade, humor e autocrítica – e dependendo de algumas circunstâncias, claro – cada um de nós pode escolher como se sentir sobre quem nos intoxica ou liberta.
Podemos também escolher paralisar ou incentivar as pessoas, assim como temos o poder de amparar ou abandonar.
Reconhecer nosso papel e nosso poder pode ser difícil e tem gente que precisa de anos de terapia; atenção ao ciclo vicioso e ao que o rompe.
Falhar faz parte, acertar, também. Caráter se mostra na prática cotidiana: ao fim e ao cabo, é disso que se trata.
Isto posto, decidir se nosso amor é mais importante que nosso ódio será fácil.