Recordações....
(...e um café de torra forte ao fundo...)
Fragmento do texto Lacônico.
Autor: Erreve.
As vezes, pequenos fragmentos de textos, de cheiros, de canções , de memórias adormecidas e sentimentos, nos levam ao mais distante do nosso tempo presente.
Lembrei da minha infância, na casa humilde de palha, em um vilarejo simples onde nem a energia elétrica havia chegado, no entanto, eu, minha irmã, primos e primas éramos felizes, enquanto brincávamos a luz do luar, conversávamos sobre assuntos tão infantis quanto nossas mentes, e assim íamos até muito tarde da noite, ninguém ouvia conversa dos adultos.
A casa era humilde, mas o café era de qualidade...nenhuma impureza podia fazer parte, era comprado café em grãos, minha avó, que foi minha mãe e das minhas irmãs, era uma amante de café, logo, ela preparava tudo com qualidade, nenhum grão estragado ou pedacinho de qualquer coisa que não fosse o grão, podia fazer parte da torra, depois era torrado em uma panela ao fogo com toras de madeira, não podia queimar, nem ficar preto, tinha que ficar marron claro, e o perfume intenso daqueles grãos torrando eram muito forte, invadia as ruas, o olfato, grudava na pele, no cabelo, na roupa e no desejo de tomar algo tão perfumado.
Após o processo da torra, ainda quente, era socado em um pilão de madeira, ficava muito fino o pó...ainda tenho o hábito de experimentar nas pontas dos dedos o quanto é fino esse pó empacotado que compro... E finalmente o café forte e doce, tudo podia faltar, menos o café, era como se aquele café acalmasse a fome, o frio e o cansaço.
Os valores que aprendemos eram muito importantes, não podia falar palavrão, mas sempre tinha um saliente que teimava em responder.
Não tínhamos presente de natal, nem chocolate na páscoa, nem lembranças de aniversário ou dia das crianças... A gente gostava de pescar nos rios, pegar fruta no pé, brincar sem brinquedos, de amarelinha, fazer balanço nas árvores, empinar pipas, jogar bolinha de gude com os moleques e ao final do dia ouvir as histórias dos idosos.
O tempo nos ensinou grandes coisas, e elas estão nos lugares mais importantes da nossa consciência e nosso sentimento, desejo que estas se tornem eternas, como o cheiro do café da minha avó, da canjica da minha tia, dos doces de frutas da época, da beleza das noites que brincávamos a luz do luar e das palavras sem sentido, que inocentes falávamos, sem saber o tamanho exato da vida... Hoje somos felizes com tudo que construimos em nós mesmos.
Diu Freire