Tragédia anunciada

Costumamos rotular de “tragédia anunciada” aqueles eventos, em geral catastróficos, que acontecem, causam ruínas, destruições por onde passam, mas que haviam sido, de alguma forma, previstos e anunciados. Eventos para os quais, dado o anúncio, poderíamos ter nos preparado, aos quais poderíamos ter nos antecipado. Se não o fizemos, faltou prudência, faltou diligência, faltou tomada de consciência sobre os riscos, a gravidade do problema e a probabilidade de que ele realmente acontecesse. Não que não possamos nos sensibilizar pelas dores que eles deixam. É inevitável não sentir um grande pesar. Mas a este pesar soma-se a revolta ou o arrependimento por, uma vez soado o anúncio, não termos lhe dado ouvidos.

O Brasil todo, recentemente, acompanhou uma tragédia. Cidades inteiras destruídas pelas águas volumosas que tomaram ruas, preencheram avenidas e desconfiguraram bairros inteiros. Águas que levaram vidas e histórias. Águas que trouxeram o fato de que a emergência climática deixou de ser uma projeção, é agora a realidade, é questão de vida ou de morte. No entanto, o que me revolta, angustia e decepciona, é que essa não foi uma tragédia desconhecida, que aconteceu de repente, repentinamente, sem que nada pudesse ter sido feito. Não. Muito pelo contrário. Essa foi uma daquelas tragédias anunciadas. Claro, talvez o anúncio não tenha acontecido alguns dias antes. Isso porque tem sido anunciado há mais de décadas que o planeta pede socorro, a natureza agoniza e a humanidade não resistirá ao ambiente que está construindo com sua ganância, ignorância e arrogância. E digo isso porque desde que eu era um pequeno menino, começando sua vida escolar, minhas professoras já falavam sobre os riscos de não economizarmos água, os problemas de causarmos desmatamentos e as consequências de se queimar florestas inteiras. Tenho agora vinte e seis anos. Então há pelo menos vinte já se anuncia que tragédias como a que ocorreu no sul de nosso país poderiam acontecer. E nada foi feito. Absolutamente nada foi feito além de leis ambientais que se afrouxam a cada dia, agressões à natureza que acontecem bem diante dos nossos olhos e governantes soberbos que, cegados pela riqueza e pelo poder, apenas querem deixar “a boiada passar” sem se darem conta de que chegará o dia no qual não haverá mais mundo para que boiada alguma nele sobreviva, e, uma vez não havendo mais mundo, o poder perderá sua lógica e a riqueza seu valor.

Disseram que não deveríamos procurar culpados. Mas os culpados somos todos nós. Somos culpados quando elegemos políticos descompromissados com as questões ambientais que nunca foram histeria de “esquerdista”, mas assunto de seres humanos interessados em continuarem a ter um mundo no qual habitar independente de ideologia. Somos culpados quando, uma vez eleitos, não acompanhamos aqueles nos quais votamos e permitimos que encham nossos pratos de veneno apenas para atenderem à ganância daqueles que destroem matas em nome da própria gula. Somos culpados quando, uma vez colocados nos lugares de poder, tapamos nossos olhos, fechamos nossos ouvidos e calamos nossas bocas para aquilo que verdadeiramente importa. Somos culpados quando minimizamos o negacionismo. O negacionismo que mata e sufoca. O negacionismo que destrói e aniquila. O negacionismo que nega a tragédia até quando ela está acontecendo.

Somos culpados por permitir que o nosso planeta, a nossa casa, esteja se encaminhando para o fim.

Fim que acontecerá muito mais cedo para nós do que para ele.

Porque não é o planeta que precisa da gente.

Ele já estava aqui quando chegamos.

É a gente que precisa do planeta.

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)