O avesso do mundo (e de dentro)

Há momentos em que o mundo parece estar do avesso.

Tropeço nisso tudo e o acho engraçado, mas na verdade, o sinto trágico, muitas vezes os sentimentos se misturam, choro e formo um rio...

Há mais sabedoria nas crianças pequenas do que em muitos adultos de meia idade.

Existe uma imensidão de saber e cultura em povos indígenas e africanos, mas tentam reduzir esses mares e florestas em lama, deserto e cinzas.

Vejo a humanização de animais e a desumanização de pessoas (e essa troca desrespeita ambos - os animais que não podem ser o que são e vivem com excessos de bagagem emocional, roupas e produtos e os humanos que tornam-se invisíveis e mais pobres, por não poderem ser também e pelos muros que barram as trocas entre a diversidade que somos Nós).

Conheço mais ateus que acreditam no amor e o cultivam do que religiosos, muitos destes vejo pregando o ódio e atirando com armas de ignorância naqueles que deveriam, na teoria, ser seus irmãos.

O que deveria estar a serviço do ser humano quer ser servido: o tal Mercado, o dinheiro, nossos sistemas...invertidos como fossem deuses, mascarando os poucos que se beneficiam com essa manipulação e com a desigualdade gerada, porque a maioria é povo, as chamadas minorias - que juntas, somos quase todos.

Quem deveria estar servindo só quer ser visto, se perdeu em poder e esqueceu que é parte dessa Terra e desse chão, mesmo que tenha um céu diferente na sua crença.

A educação, que deveria ser chave de transformação, é cabresto ou ferramenta de manipulação em diversas mãos políticas ou não.

A sociedade, que poderia ser rica como um todo; com os encontros de nossa diversidade de culturas, pessoas, fauna e flora; criou uma fábrica de exclusão.

Cachorros abandonados ou no berço transformados em bebês; crianças com a infância arrancada, condenadas ou negligenciadas em telas de alienação, pessoas desprovidas de ser, o ser sem ter onde existir, o existir sem vida.

Primeiramente e muitas vezes vou chorar, por tanto sangue derramado e corpos pisados por competições, distorções e guerras. Depois e em meio ao caos, vou lembrar que tudo foi feito pelo próprio ser humano, então o caminho é também ser desfeito por nós, podemos criar muros ou pontes, ajudar a crescer florestas ou a fenecer desertos. Já pensei ser utopia, mas a questão é: podemos abandonar os resultados, desacreditá-los e nem vê-los; mas não podemos abandonar quem somos nós ou quem está do lado e não é nem questão de lado no sentido de alguma ideologia ou partido, porque quando perdemos, todos perdemos; é questão de vida e de deixar viver, é questão de empatia e compaixão, é questão de amor. O mundo pode parecer e até estar cinza, mas cabe a nós juntar nossas cores, jogar essas cinzas nas árvores das relações para adubá-las, enxergar o verde que ainda vive nas nossas florestas e corações. Ao considerar tudo como perdido ou morto, deixamos de lutar pelo que há: nós mesmos e o brilho de nossa vida, de nossa fauna, de nossa flora, de nossa história que traz os ensinamentos pra seguirmos por outros caminhos.

Eu choro, mas por vezes eu rio, imaginando esse mundo em cooperação, imaginando a potência da coletividade, imaginando a floresta que ainda há dentro e fora de nós. Quem sabe rimos juntos um dia, a resposta não importa agora, o essencial é que essa possibilidade nos conecte ao que há de melhor em nós e nos mova para criar algo melhor no presente, imaginando um futuro mais vivo, mesmo e com a consciência de cada vida transformada em cinza, trazer as cores que ainda vivem e poderão nascer no encontro.