A morte
Nunca tive medo da morte,
Da minha morte,
Pois sei que é inexorável,
E a única certeza desde o início,
Não conto horas, dias, meses, anos,
Espero que ela me leve dormindo,
Sem alarde, sem dores, sem angústia,
Sem esperanças, sem revoltas,
Silenciosamente, soturnamente.
Não farei resistência.
O que tiver de ser, será.
Não tenho medo da morte,
Mas sempre tive medo que ela
Levasse os meus aproximados,
As pessoas do meu convívio,
As pessoas do meu afeto,
As pessoas que me são caras.
E ela levou mamãe, em 2018,
E levou outras pessoas depois.
Levou muitas pessoas depois.
Hoje, levou mais um.
Muito jovem, uma tristeza.
Não sei se foi em uma barca,
Como nas mitologias egípcias,
Não sei se foi nas asas de um pássaro,
Como em contos asiáticos,
Não sei se foi apenas um apagar de luzes,
Como categorizam ateus.
Se há outra coisa de algum outro lado,
Se há outro lado, outra dimensão,
Não acredito que seja a ilusão cristã,
Não acredito que seja o paraíso branco,
Higienizado, ordenado, monótono,
Torço imenso para que não exista,
O céu dos evangélicos e se existir,
Que de verdade eu vá para bem longe,
Pois não desejo convivência,
Já chega a obrigatória por aqui agora,
Com condenações, pecados, gritos,
Com Bíblias na cara e profecias loucas.
Não sei se existir algo, se teremos as memórias de agora,
Se reencontraremos pessoas queridas,
Se abraçaremos quem não tivemos tempo,
Se haverá possibilidade de conversar,
De contar o que vivemos até o fim.
Não sei se haverá reencarnação, retorno,
Ou se será apenas um apagar de luzes,
E tchau. Nada. Vazio. Finalização.
É tudo nebuloso e penso, que é melhor assim, sem expectativas.
Que seja uma surpresa o tudo, o algo ou o nada. Afinal, é um mistério mesmo.
Cartas psicografadas, sonhos, previsões, são somente imaginação sem provas.
Que façam as apostas e esperem para ver depois o resultado.
Mas até lá, dói ver aqueles a quem queremos bem partirem.
Dói continuar sem eles sabendo que não voltarão mais.
Dói pensar que o último dia é infinito para quem fica.
Muitas vezes, sem um adeus.