Eu não existo III
Hoje saí de casa.
Ouvi a mesma música repetidas vezes. Escuto-a tantas vezes apenas porque gosto das notas de piano que a finalizam.
Escuto a música para ter alguns instantes de prazer no seu finalzinho.
São segundos em que não penso em nada além das notas de piano.
Não pensar em nada é tão prazeroso. É como se reafirmasse minha não existência.
Quando saí, vi muitas pessoas, notei-as, observei seus gestos, como interagiam umas com as outras.
Admirei um ou dois pares de calçados por serem peculiarmente feios, mas quem liga?
Por alguns segundos, quis chorar. Me senti sozinha. Ninguém me via.
Como me veriam se não existo?
Começou a chover; abriguei-me em um corredor que parecia isolado.
Porém, veio um senhor com uma cadeira molhada e uma flanela na mão. Ele enxugou a cadeira e ofereceu-me.
Sim! Ele Me viu. Apenas agradeci a gentileza e recusei.
Passamos o restante do tempo em silêncio, pareciam horas intermináveis.
Quando finalmente a chuva cessou, saí dali o mais rápido possível e em silêncio.
O estranho cavalheiro não precisava de despedidas.
Eu não existo!