Dores do parto
Na mítica cabalista judaica sobre a cosmogonia, Ein Sof é o Deus não manifesto, o inefável, que se contrai do todo ocupado de seu ser, para que haja a existência do Universo; conceito conhecido como TzimTzum. Para narrativa cabalista, D’us não criou nada, no sentido da nossa concepção de criação. Ele permitiu o surgimento do Universo cru ao ocultar o aspecto do seu Ser. Esta contração também é chamada de “Dores do Parto”. A narrativa empresta elementos gregos, principalmente ao explicar que “nada surge do nada” (ex nihilo nihil fit), frase atribuída ao filósofo grego Parménides.
O processo de desenvolvimento, que, na narrativa, aparece como criação do universo através da contração do ser divino, pode ser traduzido na nossa vida pessoal como: Retire-se quando seu todo não estiver mais permitindo o avanço, seja em um projeto profissional ou relacionamentos.
Muitas vezes, na intensidade do querer, do amar, do se doar, do proteger, você ocupa todos espaços na vida de alguém ao ponto de não permitir, involuntariamente, o crescimento da pessoa. Acontece muito entre pais e filhos. Os pais, no desejo de proteger e preparar o filho ao mundo, não permite que seu filho avance através das experiências próprias, cometa erros e acertos como parte elementar da lição de vida. Assim, estabelecem ultra-vigilância aos filhos, ditando os passos a serem dados e todo futuro, uma vez o filho já jovem e pronto para fazer suas escolhas. Os pais são responsáveis e orientadores, mas não têm o direito de eximir os filhos das experiências fundamentais ao processo de amadurecimento, com frustrações e até sofrimento. A onipresença dos pais (na vida dos filhos jovens) pode transformá-los em inseguros e imaturos para o resto da vida ou extremamente mimados, despreparados para sobreviver no mundo.
Nos relacionamentos amorosos, acontece de você tentar ser tudo à pessoa que ama, em intensidade, presença, no “estou aqui sempre”. Isso, não a rigor, pode se transformar no impedimento da evolução da pessoa, de si próprio e transformar o relacionamento pesado, obstruído e angustiante, quando o outro não demonstra o mesmo comprometimento e certeza.
Nem sempre a presença do seu ser, sua dedicação total a alguém, é benéfica. Em alguns casos, há que se contrair, passar pelas “dores do parto” - e permitir sua ausência na vida da pessoa que você ama, para que essa pessoa possa “criar” a experiência suficiente, ter mais certeza do que almeja e reconhecer o quão importante foi tê-la (lo) na sua vida. Pois, como diz o adágio popular, “só dá valor quando perde”.
Ou simplesmente permitir que a pessoa siga sua vida sem você, trilhe o caminho que melhor lhe aprouver, já que você não foi suficiente para fazê-lo feliz.
Quando você perceber que seu todo não é suficiente ou é demais, se retire. Faço-o em silêncio, sem drama, consciente da dor da saudade silenciosa, pois não há ruído nenhum como analgésico à saudade. Ela é a dor do parto, o período de recuperação e entendimento que amar também é libertar - a si e o outro - da situação obstacular da evolução espiritual do ser.
Permita cada um aprender com seus próprios erros e também sentir sua ausência como parte da dor necessária a evolução. Ao fechar o ciclo, você dá espaço a novas possibilidades na vida. Não insista em ficar na vida de ninguém, tampouco mudar seu caminho para que fique com você.
Há questões, independente da natureza do relacionamento, que o melhor é não fazer nada, se retirarem silêncio.
Seja seu próprio mestre e deixe que o outro seja o que tem a capacidade de ser.