destinados ao fim

tudo sobre nós dois estava destinado ao fim, antes mesmo do começo.

desde o dia em que você foi embora, batendo suavemente a porta, sem se despedir, carregando pedacinhos de mim na sua mala surrada, eu me pergunto insistentemente se algo em mim poderia ter feito você ficar aqui.

poderia, meu bem?

porque às vezes eu acho que que sim. mas aí eu lembro que ir não era sobre mim ou sobre nós, mas sobre a sua vontade de viver outros mundo e abraçar outras sensações que não tivessem o meu nome envolvido. você queria uma vida que eu não poderia te dar. você queria alguém que nunca seria quem eu realmente sou.

você queria viver outras experiências que não tivessem o formato do meu rosto ou as digitais das minhas mãos.

o amor havia acabado, como você disse, subliminarmente, como covarde que sempre foi. e a liberdade lá fora te chamava para molhar os pés em suas águas.

é, eu sei, é triste sim o fim de um amor. é claro que é. nós passamos anos com alguém construindo uma espécie de lugar secreto, uma vida particular e íntima, acolhedora e cheia de sonhos, que ninguém sabe porque não tem acesso. e como fumaça, tudo se esvai. de repente somos dois seres humanos fragmentados e distantes, desconhecidos que escolhem esquecer memórias e toques, que se ligam porque alguns objetos estão um com o outro e que precisam ser descartados ou devolvidos.

de repente somos pessoas que se tratam com uma formalidade que só existe entre aqueles que já foram tudo um para o outro, que perderam o caminho da conexão e intimidade, que estão entre a vontade de saber e a impossibilidade de perguntar.. .

e, meu deus, como eu queria ter te perguntado, naquele dia que te encontrei por acaso, se você estava bem e em paz com a decisão tomada de partir.

está em paz, meu bem?

mas aí eu me dei conta de algo sobre a nossa história, quando estava com as palavras presas na garganta. já não há mais espaço que me permitia ser honesta e vulnerável, amigável ou minimamente íntimo, com você. que seria estranho escalar a barreira que nos separava, porque não havia como eu saber o que encontraria do outro lado e nutria o medo de me decepcionar com o que veria.

o nosso amor foi como aquele quadro que amamos muito, mas que por um descuido, por um janela aberta, uma ventania inoportuna, se quebrou e não há conserto.

e então.. .

me dei conta de que não importava muito o que em mim poderia mudar ou o que em você poderia querer te fazer permanecer. estava aquém de nossas vontades. nada modificaria o capítulo final de nossas vidas: estavámos destinados a tudo o que aconteceu. tudo sobre nós dois estava destinado ao fim.

era o destino.

nos encontramos, nos apaixonamos perdidamente e você foi embora.

tudo sobre nós dois estava destinado a terminar.

e tudo bem.

hoje eu entendo que cumprimos nossa jornada.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 10/06/2024
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