A mensagem da dor
As dores trazem mensagens. E é bem fácil compreender esse fato. Basta pensarmos naquela ardência que podemos sentir no dedinho do pé. Ela incomoda e ela clama por atenção. Até que a olhamos. Quando prestamos atenção identificamos ali algum corte. Ainda que pequeno. Corte este que, se não fosse pela dor, não veríamos. E, uma vez ignorado, ele poderia servir de entrada a bactérias perigosas. Bactérias que poderiam causar uma grave infecção. Infecção que poderia se alastrar ao restante de nosso corpo e resultar em consequências fatais. Consequências de um corte pequeno que poderiam ter sido evitadas se a dor fosse notada, acolhida em seu momento, um curativo fosse feito e os cuidados necessários fossem tomados.
“A dor que você sente é sua mensageira, escute-a com sabedoria” (Rumi)
Falei, no começo da reflexão, sobre uma dor física, no entanto, a mesma comparação pode servir às dores emocionais que nos afligem e perseguem. Isso porque muitos tentam ignorar seus desconfortos emocionais a partir de distrações que se acumulam aos montes: trabalho em excesso, vício em droga, consumo desenfreado de redes sociais, compulsividade por compras e comida, entradas e saídas recorrentes em relacionamentos extremamente superficiais e efêmeros, e por aí vai. Comportamentos que anestesiam, mas que nada resolvem. Porque os desconfortos permanecem. E eles ressurgem em intensidades cada vez maiores quando nossos comportamentos compensatórios chegam ao fim. Isso porque em algum momento temos que voltar para casa, os efeitos da droga passam, a bateria do celular acaba e a comida na geladeira também. E, com isso, a dor reaparece à nossa consciência. Mas, então, ao invés de ouvi-la, o que fazemos? Isso mesmo. Retornamos, repetitivamente, a todas as distrações possíveis que empurrem para debaixo do tapete aquele incômodo, aquela angústia, aquela ansiedade, aquela tristeza. Não as ouvimos, nem olhamos para elas. Preferimos ignorá-las como se, assim, deixassem de existir. Mas não deixam. Esse é o problema. Assim como o corte no dedinho não deixa de existir se simplesmente o ignorarmos, os sofrimentos emocionais não cessam bastando que nos anestesiemos com os muitos estímulos que nos rondam. Eles permanecem.
E ao permaneceram vão ganhando proporção, tamanho, robustez. Ao ponto de nos esmagarem.
Acontecem as crises. Sejam elas de ansiedade ou depressivas ou de enfado. As crises acontecem e nos obrigam a interromper a correria desenfreada em busca de um utópico alívio. E nos forçam a prestarmos atenção nelas. Mas talvez estejam tão alvoraçadas que não conseguimos entender o que querem dizer. Dizem tudo ao mesmo tempo em que nada dizem. Ficamos confusos e perdidos. Vazios. É como se a vida perdesse o sentido.
Não. Não ignore seus desconfortos emocionais. Ainda que eles não sejam como os cortes que sangram e que podem ser vistos, eles nos oprimem e ferem nossos corações, sufocam nossa garganta, é como se aprisionassem nossas esperanças e nossas potencialidades. Então não podem ser desprezados. Nem podemos nos anestesiar para deixarmos de senti-los. Precisamos ouvir a ansiedade que nos paralisa, a tristeza que nos desacelera, a angústia que nos cutuca, o desespero que nos apavora. Precisamos entender de onde vêm e a qual objetivo servem. Precisamos investigar qual é o seu propósito e como para tais dores temos contribuído. Precisamos entender que as dores existem por uma razão: avisar que algo não vai bem. E tudo o que não vai bem precisa ser olhado para ser trabalhado, compreendido e, quem sabe, resolvido. Quando apenas ignoramos estamos ampliando o espaço para que as dores nos dominem. E aquilo que era só um corte vira uma infecção que pode nos tirar a vida. Busque ajuda.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)