Expectativas

Você já deve ter ouvido que vivemos na famosa “Era da Ansiedade”. Isso é dito como se a ansiedade fosse algo dos nossos tempos, o que não pode ser verdade. A ansiedade sempre esteve ao nosso lado. E note bem o que eu mencionei. Ela sempre esteve ao nosso lado. Eu não disse contra nós. Nem a nosso favor. Disse que sempre esteve ao nosso lado. O problema é como nos relacionamos com ela. E aí, sim, parece que ultimamente temos estabelecido um típico relacionamento abusivo e disfuncional com ela que, na medida certa, serve à nossa sobrevivência. Afinal de contas, a ansiedade pode nos alertar para os perigos e ameaças, pode nos ajudar em nossa autoproteção e na análise que fazemos das dificuldades que estão presentes no meio no qual estamos inseridos e se temos os recursos necessários para com elas lidar. Entretanto, submersos em uma cultura que tem cada vez mais se desconectado de sua natureza, desrespeitado o seu ritmo, temos nos perdido dos benefícios da ansiedade e, assim, temos nos atolado em seus efeitos quando a tornamos exacerbada.

Um desses efeitos se chama “expectativas”. E, novamente, ter expectativas não é bom ou ruim, é simplesmente algo que acontece com qualquer ser humano que esteja construindo a sua vida e que almeja alcançar algum futuro. O problema, novamente, é a forma como temos vivido essas expectativas. E o que tem acontecido é que temos olhado tanto para o futuro que deixamos de notar o presente, ficamos tão curiosos quanto ao que virá que acabamos vazios daquilo que já nos está dado. As coisas estão acontecendo, mas não percebemos. Isso porque estamos sempre voltados ao amanhã, aos destinos e aos resultados, desprezando todo o processo necessário, todo o caminho fundamental até o ponto ao qual temos o desejo de chegar. Queremos apressar as coisas. Queremos que passe tudo depressa. Queremos logo a concretização de nossas idealizações. Mas pouco fazemos do processo. É como alguém que, graduando-se em algum curso, começa a se indagar sobre o motivo pelo qual precisa fazer as matérias que pouco lhe apetecem. Esse alguém está focado no fim, no resultado. E não percebe que é a caminhada que o enriquece e fortalece. Não é o diploma que o torna um profissional. Mas cada semestre verdadeiramente cursado é que o fará alguém digno de carregar o título de médico, engenheiro, jornalista, psicólogo ou seja lá a profissão que for.

E essas expectativas não estão voltadas apenas aos negócios futuros. Temos muitas expectativas em relação a nós mesmos também. E, alimentados por essa sociedade que idealiza seres humanos perfeitos e incorrigíveis – e, o que não dizem, inalcançáveis –, acabamos perseguindo ideais que nos afastam de sermos seres completos, plenos em suas potencialidades, verdadeiramente autênticos a partir do que são e podem fazer. Tentamos, a todo custo, cobrir nossas imperfeições. Chegamos a limitar nossas experiências no mundo com medo de que contemplem nossos erros e fracassos. Se nos achamos motoristas horríveis, então não pegamos no volante e, mesmo ansiosos por isso, deixamos para lá a vontade de dirigir. Tudo porque temos expectativas de sermos perfeitos. Acabamos frustrados. Porque podemos enganar o mundo, mas não enganamos a nós mesmos: continuamos sendo aquelas pessoas que não sabem dirigir.

Entretanto, quando assumimos a nossa “imperfeição”, quando reconhecemos nossas limitações, quando verdadeiramente integramos como sendo partes nossas aqueles pontos nos quais sentimos necessidade de melhorar, enfim nos vemos como somos, sem mais aquelas expectativas fantasiosas. Compreendemos que não somos perfeitos, nem incorrigíveis, somos simplesmente pessoas que, como quaisquer outras, possuímos potencialidades a serem descobertas. Deixamos de querer ser tão bons e exemplares para simplesmente sermos o melhor que podemos ser. Fazemos às pazes conosco e com nossas dificuldades e, assim, sentimo-nos prontos para usufruirmos do mundo com tudo o que nele há. É quando deixamos de lado as expectativas irreais que entramos em contato com a realidade e fazemos dela o melhor uso que conseguimos: tornamo-nos o melhor que podemos ser.

“Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons” (Sigmund Freud)

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)