A dor de aceitar-se
Desde que nascemos somos bombardeados por uma infinidade de “deverias”, de regras e instruções que precisamos seguir se quisermos ser aceitos e apreciados em nossa existência. Por um certo momento do desenvolvimento humano, sobretudo na infância, quando começamos a conhecer o mundo e aprender sobre ele, essas “introjeções” podem ser importantes, afinal de contas, precisamos de um ponto do qual partir, precisamos de uma base sobre a qual fundar nossa própria construção. O problema é que o tempo passa e as tais exigências permanecem limitando nossas possibilidades de existir, colocando um freio na nossa capacidade de, livremente, batermos nossas asas e voarmos por aí. Isso porque somos ameaçados pelo mundo que nos cerca. E a ideia que nos é apresentada é a de que, se contrariarmos o que esperam a nosso respeito, então não poderemos mais ser aceitos nem nos sentir pertencentes, é como se nos responsabilizassem pelas frustrações que viessem a experimentar por sonhos que sonharam no nosso lugar.
É injusto, eu sei. Mas você também sabe que é o que acontece.
Só que fica ainda mais injusto quando, por essas rígidas introjeções, acabamos odiando a nós mesmos, experimentando da amarga dificuldade de nos aceitarmos plena e completamente. Isso porque ficamos tão condicionados a sermos recompensados com amor desde que cumpramos com as determinações, que ignoramos o fato de que o amor não é uma recompensa, é um direito (quiçá uma necessidade) de todos os seres humanos. E só é válido lutar pelo amor daqueles que, verdadeiramente, são capazes de nos aceitar sem “deverias” ou “não deverias”, são capazes de nos aceitar em nossa humanidade e singularidade, em nossas forças e em nossas fraquezas, em nossas conquistas e em nossos fracassos, em nossas dores e em nossas alegrias. Só é válido lutar pelo amor de quem não nos faz nos odiar.
Porque também é verdade que, em nome das tantas introjeções, a partir daquela crença rígida de que precisamos ser agradáveis para sermos aceitos e acolhidos, acabamos odiando aquelas partes que nos compõem, mas que, sabemos, não seriam bem vistas pelos outros. É quando tentamos, a qualquer custo, fingir que tais partes não existem, alienamos o que não aceitamos em nós e travamos uma luta incessante dentro do nosso interior. Aquilo não vai embora, afinal, nos compõe. Então continua aqui, incomodando-nos, impulsionando-nos a sofredores mecanismos de defesa que sustentem a ideia de que somos “perfeitamente aceitáveis aos olhos dos outros” quando que, na verdade, no fundo ninguém se importa conosco, importam-se apenas com que cumpramos com suas regras, mas poucos estão realmente dispostos a nos verem verdadeiramente felizes.
E como conversamos recentemente, as partes de um todo são o que lhe caracterizam e dão sustância. Nossas partes, por mais “inaceitáveis” que possam parecer, também contribuem para a nossa identidade e personalidade. É certo que algumas precisam ser trabalhadas, como, por exemplo, nossa possível tendência a sermos compradores compulsivos que nos traz um sofrimento. Essa parte não pode ser rejeitada sem antes ser compreendida em seu sentido na nossa vida. É só quando a compreendemos que, então, aprendemos a conviver com ela de um jeito mais saudável. É diferente de nos odiarmos dia e noite por a termos conosco – esse ódio apenas nos fere, mas não resolve problema algum.
É um desafio, eu sei. Ainda mais quando passamos a maior parte de nossos anos condicionando-nos à aceitação do outro através de uma autoanulação desumana. Mas é necessário se quisermos viver uma vida autêntica e plena de sentido. É claro, alguns nos recusarão. Irão embora. Afastar-se-ão. Mas não tem problema. Ficarão aqueles que importam. Aqueles que, humildemente, cederão um espaço em seus corações para as nossas “imperfeições” – para cada uma das partes que nos compõem.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)