A utopia da paz

Utopias são imaginações, geralmente através de histórias (livros, filmes, séries), que retratam um mundo que, se não for perfeito, ao menos consegue lidar perfeitamente com suas imperfeições. É um mundo de satisfações e concretizações. Um mundo de parcerias e compreensões. Um mundo no qual as coisas funcionam e as pessoas são, verdadeiramente, felizes. Pode parecer impossível? Talvez seja por isso que se chamem “utopias”. Mas a verdade é que um mundo tão ideal quanto esse pode ser mesmo inalcançável, afinal, somos seres humanos com pensamentos divergentes, opiniões que diferem, o que nos coloca em tendência ao conflito. Note que eu não coloquei confronto nem batalha. Coloquei conflito. A harmonia constante e inabalável talvez seja inatingível. Mas poderíamos facilmente aprender a lidar com nossas diferenças, deixar nosso orgulho de lado e, desvestindo-nos de uma postura arrogante e egocêntrica, permitir que o outro a nós se revele como é. O problema é que estamos rígidos demais e nos fixamos em torno de nós mesmos. Queremos que o sol nos orbite e que todos os nossos desejos sejam concretizados bastando que neles pensemos. Somos nossos maiores obstáculos no alcance do tal mundo idealizado.

E um dos resultados mais emergentes é a falta de paz entre todos nós. Desde que eu era ainda muito pequeno ouvia as pessoas falarem sobre paz. Famosos, líderes religiosos e políticos e mesmo as pessoas anônimas como meus professores faziam discursos sobre a importância da paz. Era tudo muito bonito. “Respeite o próximo. Diga não ao preconceito. Combata a violência. Não se esqueça que gentileza gera gentileza”. Mas, infelizmente, parece que esses discursos de pouco ou nada valeram. Porque hoje vivemos guerras constantes. E nem me refiro apenas ao que acontece na faixa de Gaza ou entre Rússia e Ucrânia, ou mesmo o que aconteceu há décadas atrás quando o mundo assistiu ao massacre das bombas atômicas, só para citar alguns exemplos. Refiro-me, talvez até mais, à nossa falta de humildade e compaixão para com aqueles que estão bem ao nosso lado. Ferimos, magoamos, machucamos. Zombamos, agimos com grosseria e diminuímos aqueles que são diferentes de nós. Não medimos nossas palavras, nem refletimos sobre nossas piadas. Pode ser que nem imaginemos, mas em uma fala qualquer, repleta de equívocos e preconceitos, podemos atingir em cheio a dignidade de alguém que luta em silêncio para ser aceito por si mesmo. Falamos sobre paz, mas não agimos pela paz. A paz é uma utopia.

E eu acho que seja uma utopia porque não estamos realmente engajados em prol dessa virtude. Pelo contrário. Por pouco explodimos, por ainda menos matamos. Literalmente. Aparentemente sem remorso algum, sem piedade alguma. Simplesmente ferimos e fazemos sangrar aqueles que em seu íntimo, onde ninguém consegue acessar, já estão mergulhados em um mar de intenso sofrimento. Somos insensíveis e somos egoístas. Depois compartilhamos status ou stories falando sobre o quanto o amor de Deus é maravilhoso. Discursos vazios, até hipócritas. O amor de Deus, seja lá qual for a sua crença, nada mais é do que o amor que lançamos ao mundo. Você é coerente com a sua pregação?

E é por essa incongruência, já que falamos uma coisa e fazemos outra, que a paz tem se tornado uma utopia. Porque assim como as utopias clássicas, que, expressando-me de uma forma superficial e genérica, não passam de fantasias de mentes que encontram refúgio em si mesmas para um mundo tão caótico e desorganizado, o discurso da paz tem sido uma mera ferramenta para quem quer chamar a atenção e bancar de legal. Porque a verdadeira paz não começa com orações pela Ucrânia ou por Israel. A verdadeira paz começa quando você olha para quem está bem ao seu lado e lhe oferece um senso de proteção e segurança sem dizer palavra alguma – apenas com a sua companhia!

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)