O abismo

Mesmo na morte exercemos o que há de humano em nós, o que nos define como tal, ainda que não haja um substancialismo na investigação que estou por revelar. A morte, minha fiel companheira, entregou-me aos braços da solidão e me fez sorrir suavemente e de forma sutil ante a sua gélida e pálida beleza. Os comprimidos dos fármacos tóxicamente misturados em um derrame intestinal é a antítese da minha grande tese e que trás a síntese em mim da minha grande promessa. O formalismo de um texto filosófico entregue a estética profundíssima do abismo da existência é um mísero vislumbre de uma alma realmente grande. Eu vi e compreendi, mas disto tudo tive náusea e mais uma vez aos meus pés foram jogadas as cartas. E me vi, mais uma vez, no nada de uma promessa de conhecer-me. Com a morte tive a certeza de que negaram-me e que a promessa sempre se estenderia, que a prisão do formal era imaginária e que eu, eu já era... me despedi de todas as ilusões, sorri ante a realidade e vi-me em minha totalidade; a grandiosidade do meu ser sangrou até a morte.

Nas náuseas do ser, nem Cioran concebeu a poética do nada. Nem Nietzsche concebeu a imagem da queda livre no abismo. Nem Hipnos e Morfeu concebeu o sono perpétuo ao fechar os olhos para o mundo da negação. Nem a minha sentença concebeu a profundidade sublime de um abraço sincero, genuinamente íntegro de duas almas no cume do desespero.

Na decomposição do meu ser ante a tudo. Na decomposição do meu ser-com. Na decomposição do meu ser no mundo. Na decomposição do meu ser no espaço e no tempo, eu olhei para o abismo, ele sorriu e eu sorri de volta. Eu me entreguei ao mistério, à liberdade e consagrei no ato de rebeldia satânica a liberdade do homem. Jurei cumprir e honrar sobre a lápide de Cristo a Vontade que é Lei com o meu sangue. E matei com as minhas próprias mãos o corpo que o blasfêmia e o profana. A minha angústia não é nomeada. A minha melancolia é um frio monumento à liberdade, pois mesmo no ato de pôr fim ao jogo, as palavras brincam com as sentenças e elas não significam nada suficientemente, trazendo a mim uma valoração dúbia, mas assertiva, assim como o é a semântica da liberdade.

Cômoda ilusão de propósito. Estúpida esperança metafísica. Nostálgica "certeza" da queda adâmica, mentirosa! Idiota projeção ressentida, perversa! E nós, homens grandiosos destinados _ por ser _ ao nada de acreditar-se "isso". Não, não e não, eu prefiro a morte. Afirmar-me na terrível beleza do Hades é uma honra, é a liberdade e a verdade. O ponto final é a ontologia na epistemologia, pois saber é não ser e a essência reside na liberdade que provém do movimento (ato e escolha no/em não-ser).

Darach
Enviado por Darach em 30/04/2024
Código do texto: T8053438
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