"Viver é morrer um pouco todos os dias"

“Viver é morrer um pouco todos os dias”. Talvez se acolhêssemos essa certeza, viveríamos mais profundamente o amor, os sorrisos bobos, as conversas despretensiosas. Talvez comeríamos mais devagar a comida favorita e apreciaríamos com mais apreço as nossas companhias. Talvez nos abraçaríamos até perder a noção do tempo. Talvez beijaríamos mãos, frontes e bocas, demasiadamente. Talvez olharíamos menos as telas e submergiríamos mais em olhares. Talvez teríamos mais paciência e despedidas demoradas. Talvez seríamos mais intensos e menos rasos. Talvez alimentaríamos tão bem nossa mente como alimentamos o nosso corpo. Talvez sentaríamos em nossas calçadas, todas as noites, só para fitar o céu e todos os seus atributos. Talvez ouviríamos mais os pássaros e as soluções, sempre práticas, das crianças. Talvez amaríamos mais o presente (certo), não ansiaríamos desesperados o futuro (incerto), e o passado, decerto, seria apenas o diário das nossas lições e lembranças. Talvez seríamos mais presença e menos desculpas. Talvez até seríamos mais desculpas aos que ferimos — seríamos perdão. Talvez perderíamos o peso, e seríamos, assim, leveza. Talvez não nos importaríamos, obsessivamente, por escolhas que não são nossas. Talvez teríamos mais fé e aceitaríamos, também, a fé do outro. Talvez a iminência da morte, nos devolveria à vida. E a vida não morreria silente, caminhando em busca de propósitos mirabolantes. Talvez daríamos mais crédito aos nossos sonhos juvenis. Talvez enxergaríamos com mais aceitação as nossas inconstâncias — privilégio de quem vive. Talvez pararíamos de acreditar que a vida precisa ser constante e boa, corriqueiramente; quando ela só precisa existir e isso já é sorte. Talvez assumiríamos com mais propriedade que somos roteiristas no espetáculo da vida e cada ato é fruto (nem sempre saboroso) da nossa própria criação e atuação diante dos fatores alheios. Talvez caminharíamos sem pressa, sob o sol (imprescindível), descalços e conscientes de que vamos morrer ora ou outra. Talvez entenderíamos que “Viver é morrer um pouco todos os dias” e não nos limitaríamos a ser meros transeuntes, sem o deleite de viver, intensamente, uma vida que nunca se repetirá.

Acarla
Enviado por Acarla em 23/04/2024
Reeditado em 23/04/2024
Código do texto: T8048067
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