O Cuidado do Pai
Na última sexta feira (19/04/2024), minha família recebeu seu mais novo membro: a filha de uma prima minha. É claro que, como uma boa prima babona, eu morro de amores sempre que vejo uma fotozinha dela. Tão pequena, tão indefesa, tão linda, tão dependente. Eu poderia ficar horas olhando para aquele rostinho perfeito envolto em uma cabeleira surpreendentemente cheia e da cor de ébano (abro um parêntese aqui, literalmente, para registrar como a genética é incrível. Ela é extremamente parecida com meus dois sobrinhos quando bebês).
Bom, voltando ao assunto, quando a vi pela primeira vez, fui tomada por um instinto quase que primitivo de proteção. Lembrei dos meus sobrinhos e como sinto a necessidade de cuidar deles e protege-los. Mesmo que nem sempre seja possível.
Lembro que, quando meu sobrinho era pequeno e ia dormir em casa, eu passava muito tempo ao lado da cama, após ele dormir, orando por ele e velando seu sono. Recentemente, minha sobrinha foi dormir em minha casa e, devido a uma forte gripe, apresentava um quadro febril. A verdade é que, naquela noite meu sono foi muito leve, de maneira que de hora em hora eu acordava apenas para verificar a temperatura dela e me certificar que tudo estava bem.
O mais interessante é que nenhuma das crianças citadas são minhas filhas. São sobrinhos e prima. Eu não sou mãe (ainda) e estou longe de ser uma pessoa extremamente boa e perfeita. Porém, eu amo cada um deles e, mesmo não sendo uma pessoa integralmente boa, procuro entregar a eles o melhor que posso.
Isso me faz lembrar do que Jesus disse a respeito da paternidade de Deus e do cuidado d’Ele com seus filhos: “Não se preocupem com o que vocês irão comer, ou o que irão vestir. Olhem as aves do céu que não semeiam e nem colhem, contudo, vosso Pai celestial as alimenta. E olhem os lírios dos campos. Eles não trabalham, não fiam, e eu vos afirmo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como qualquer um deles... qual dentre vocês, se o filho lhe pedir pão lhe dará pedra? E se lhe pedir peixe, lhe dará serpente? Se vocês que são maus sabem dar coisas boas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês que está nos céus.”
Sabendo disso, porque será que é tão difícil descansarmos no cuidado do Pai?
Eu tenho a sensação que somos particularmente teimosos e arrogantes, a ponto de sempre estarmos duvidando da provisão e do cuidado de Deus para nossas vidas. E, mesmo que preguemos o evangelho e proclamemos alguns textos bíblicos, parece que permanecemos endurecidos demais para aceitar o cuidado de Deus.
Quando olhamos para o Salmista, percebemos que ele tinha certeza que Deus o guardaria, independente de qualquer situação, a ponto de exclamar: “Ainda que meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá” (Salmos 27:10).
O salmista sabia que mesmo que pai e mãe, que possuem aquele instinto primitivo de cuidado e proteção, o abandonassem, ele permaneceria acolhido pelos braços de Deus.
Talvez, haja momentos em nossas vidas que sejam mais difíceis de acreditar na verdade dita por Jesus. Então, o que fazer nesse momento? O que fazer quando o dia mal chega e angústia nos dói os ossos, fazendo com que nosso corpo sinta as dores da alma? O que fazer quando não há mais ninguém que possa nos socorrer e, a cada passo, parece que caminho fica mais denso, mais escuro e mais solitário?
Nas palavras de Davi (Salmos 77), há momentos que nossa alma está inconsolável e nos falta o sono. Começamos a relembrar momentos passados que eram mais tranquilos, devemos admitir. A melancolia desses momentos é tão intensa e a angústia tão latente, que oscilamos em nossa fé e questionamos “O Senhor me rejeitará para sempre? Ele não me mostrará seu favor? Por acaso Deus se esqueceu do seu amor, ou acabou a sua promessa? E a Sua misericórdia? Sua compaixão? Não mais se manifestarão?” E, chegamos até a pensar “Deus não está mais agindo, e é essa a razão da minha angústia”.
O dia mal é difícil. A dor é tão intensa que não conseguimos enxergar nada além dela. Mas o que fazer nesses momentos? Como voltar a enxergar um lampejo em noite tão escura?
Eu acredito que, como não conseguimos enxergar nada além da dor, a melhor solução é relembrar os feitos do Senhor. Foi isso que o salmista fez em Salmos 77. Recordar as obras do Senhor, e os antigos milagres. Meditar na sua bondade e em todas as suas ações.
Foi isso também que o profeta Jeremias em Lamentações 3 fez. Em um cenário devastado pela guerra, fome e morte, o profeta ouvia lamento e choro. Crianças famintas e desesperadas, a cidade destruída, pessoas mortas, um cenário de caos. O gosto é de fel, bílis. É amargo e cruel.
Contudo, de uma coisa o profeta se lembrou, e foi isso que lhe deu esperança: O amor do Senhor Deus não se acaba, e a sua bondade não tem fim. As misericórdias d’Ele são renovadas diariamente e por essa razão, não somos consumidos.
Uau! Me perdoe a expressão. Mas não encontrei outra para o momento. O cuidado do Pai é permanente. Mesmo que falhemos. Mesmo que não enxerguemos. Mesmo que duvidemos. Ele permanece! A fidelidade faz parte de sua natureza, é um atributo Seu e, por mais que sejamos infiéis, Ele permanece fiel, pois não pode negar a si mesmo (2ª Tm. 2:13).
Nós não precisamos fazer nada para receber esse cuidado. Lembra da minha prima recém nascida? Ela não fez absolutamente nada para mim. Mas eu já a amo e quero cuidar dela, independente de qualquer coisa. Lembra dos meus sobrinhos? Também não fizeram nada. Na verdade, algumas atitudes até me irritam, mas isso nunca diminuiu um milésimo do amor que sinto por eles. Meu desejo de cuidar e proteger permanece. Mesmo que eles não entendam o porquê de determinados cuidados como restrições, administração de remédios, broncas... tudo faz parte do cuidado.
Precisamos aprender a ser como crianças que confiam no Pai. Precisamos aprender a repousar em seu colo e apenas contar como foi o dia, e deixar que Ele cuide do resto. Precisamos acreditar que Ele é um bom pai e, como tal, sabe dar coisas boas aos seus filhos. E, mesmo que achemos difícil de enxergar, em razão da grande tempestade que enfrentamos, precisamos trazer ao nosso coração aquilo que nos dá esperança. Relembrar dos grandes feitos, do tempo em que íamos com alegria à casa do Senhor, multidão em festa (Salmos 42:4). Relembrar que Ele jamais mudou. Que ele é estável e confiável. Relembrar que sua natureza não muda e que Ele sempre nos verá tão pequenos, indefesos e dependentes. Ele sempre velará por nós em nosso sono, pois já sabemos que aos seus amados Ele dá enquanto dormem. (Salmos 127:2)
Acredite, tais lembranças são essenciais, pois pereceríamos, sem dúvidas, se não crêssemos que veremos novamente a bondade do Senhor em nossas vidas. Por essa razão, se posso te dar um conselho é: Espere no Senhor. Seja forte! Coragem! Espere no Senhor. (Salmos 77:13-14)