A era da superficialidade
Nesse comecinho do século 21, um século de repentinas, rápidas e profundas transformações não apenas tecnológicas e de produção, temos também vivido grandes mudanças na esfera social e no domínio individual: a sociedade está ganhando novos formatos e os indivíduos estão se ajustando aos novos comportamentos. Em suma, estamos na era da metamorfose! Não que em outros tempos a transformação não tenha acontecido. Seria um grotesco erro firmar tal afirmação. Caso contrário, caso a mudança fosse algo exclusivo de nossos tempos, não chegaríamos ao ponto no qual chegamos. No entanto, hoje a mudança está mais drástica: a cada minuto somos bombardeados por uma infinidade de informações que, em outros tempos, seriam impensáveis de serem acessadas na quantidade e na velocidade que hoje se apresentam. Parte dessa mudança se deve à popularização das redes sociais que nos levam de um vento ao outro em questão de segundos. Se antes, para mudarmos de opinião, precisávamos de algumas boas horas de estudo, pesquisa e leitura para desenvolvermos argumentos, hoje basta que assistamos a um vídeo de duas horas de alguém que usa algum título aparente para que, então, assumamos a nova verdade. Nem questionamos. Pouco nos aprofundamos. O imediatismo do superficial nos basta.
E é esse o ponto da reflexão de hoje: estamos vivendo na era da pressa, do já!, do “para ontem”. Estamos vivendo na era da superficialidade uma vez que, na correria desenfreada pelo máximo de experiências possíveis, não temos tempo para nos aprofundar no que quer que seja. Já não temos paciência para assistir a um filme, a um vídeo de quarenta minutos, ou ouvir à uma música de cinco. Queremos que as coisas se apressem. Isso porque queremos logo os prazeres da vida, queremos viver bem a qualquer preço, mesmo que custe nosso senso crítico e a nossa capacidade de não apenas atravessar o mundo, mas, de fato, passar por ele.
Com isso, tudo nos é oferecido. Qualquer possibilidade. Basta imaginar e “puf!”, você pode viver. Mas ao mesmo tempo em que tudo é possível de ser experimentado, pouco é valorizado. Afinal, se temos tudo bem no alcance de nossos dedos, para quê dar a essas coisas o seu devido valor? Porque bem sabemos que, ao enjoar de algo, podemos partir para outro algo. Mas não é só isso. Também temos aquela ansiedade por não deixar nada escapar, por aproveitar tudo, por viver cada experiência que é oferecida: queremos todos os prazeres, queremos todos os êxtases. Só que para se viver tudo, nada pode ser vivido profundamente. Então ao mesmo tempo em que estamos seguros de que, se enjoarmos de uma coisa, há outra nos aguardando, nem mesmo temos tempo para enjoar porque sentimos essa estranha necessidade de tudo aproveitar. Ficamos na superficialidade. No imediatismo. E nada absorvemos. Nada absorvendo, de nada nos nutrimos. Desnutridos, a vida perde o sentido.
Temos tudo.
Mas ao mesmo tempo sentimos que tudo nos falta.
Surgem, assim, mas não apenas por isso, os sofrimentos humanos. Um boom de ansiedade e depressão. Consultórios psiquiátricos e clínicas psicológicas abarrotadas de gente. E a maioria sedenta por uma solução mágica e imediata que as alivie do fardo de uma vida abastada: tanto é a oferta que ficamos inertes diante da escolha. E essa inércia se dá porque não ousamos aprofundar nem em nós mesmos. Ficamos na beirada, na superficialidade, permitindo que a moda de nosso tempo nos governe. Não questionamos e não acessamos a nossa capacidade crítica. Simplesmente somos atravessados por aquilo que nos cerca sem qualquer consciência do que realmente acreditamos, buscamos e queremos na vida. Qualquer coisa é colocada para dentro. Até mesmo aquilo que é tóxico e nada nutritivo. Simplesmente engolimos, introjetamos, e passamos a perseguir ideais inexistentes: são vendidos como a solução para o a busca pelo prazer e pela vida boa, mas não passam de ilusão. Ficamos perdidos. Desorientados. E nos questionamos: por que ainda infelizes se tudo nos está dado? Porque a felicidade não é uma conquista, mas uma escolha. E ela não está naquilo que o dinheiro compra. Está naquilo que nos satisfaz. Mas como iremos nos satisfazer se nem ao menos reconhecemos nossas verdadeiras necessidades?
Eis o resultado dessa sociedade superficial e imediata: acabamos desconhecidos de nós mesmos. É como se simplesmente habitássemos em um corpo do qual tão pouco conhecemos e nada sabemos. O que é estranho além de perigoso. É necessário reconexão com o nosso “eu”. É necessário que nos voltemos a nós mesmos e prestemos atenção em nossas manifestações. É necessário que, com profundidade, nos ocupemos da resposta para a pergunta “quem é você?”. Porque é só nos conhecendo e reconhecendo constantemente que seremos capazes de construir algum sentido nessa vida.
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)