Reflexões de um andarilho ao ver a chuva que cai
Um mundo caótico. É assim que vejo os tempos atuais. Não há mais primavera. Ninguém mais se encanta com o desabrochar duma flor. Tudo ficou sério demais. Se exige perfeição num mundo imperfeito. É normal que o mundo seja imperfeito; é feito de gente, pessoas não são iguais.Todos têm suas particularidades, agimos conforme nossas circunstâncias e interesses, não há nada de errado nisso. Máquinas agem iguais, são programadas.
O mundo ficou mais triste. Não há graça esperar o sol nascer. Contemplar a lua, ficou no passado. Há pressa, muita pressa. A poesia só tem sentido para quem tem coração. A sensibilidade tornou -se artigo de luxo.
Quem cede o lugar no ônibus ao velho que sobe? Somente os de bom senso. Não há mais gentileza. A brutalidade abre caminho mesmo entre pessoas com limitações físicas. Todos querem ser os primeiros a cruzar a linha. É preciso chegar. É preciso romper o laço que separa o percurso e anuncia o vencedor. Vença e seja feliz! Eis o novo dogma.
A hiperobjetivação da vida minou a possibilidade de solidariedade. Coisa mais antiga, dirá a vanguarda juvenil, predadora e presa dessa ubíqua vida em rede. Muitos amigos e nenhuma amizade. A vida vivida em colmeia, que paradoxalmente não protege, isola e deprime porque não se convive. Vive-se em casulo sem romper a casca. É a vida em likes.
Não se pede licença. O empurrão agiliza o passo de quem não vê gente. É preciso chegar! É preciso vencer! Na roleta do cassino vida se aposta o presente e o futuro, não há passado. Passado é pra nostálgico. O tempo presente, nada mais. Hoje, hoje. Futuro, se houver tempo. Não há tempo, time is money! Espera -se do vizinho o que se nega pro irmão. E todos querem um mundo melhor. Mas como, se a ação e o passo seguinte não avançam ?
Tudo perdeu o colorido. É tudo cinza. Não emociona ver o arco-íris, não existe arco-íris. Tudo virou cinza. Tudo ficou opaco.
Sobre a mesa, um bilhete. Um retrato virado impede ver a imagem. Na parede tristes quadros de tempos tristes.
O que houve? A vida continuamente conectada impede o abraço. Não há afeto. Nas calçadas, corpos famélicos esperam o pão que não chega. Não há retorno. O caldeirão está quente, seremos a canja no banquete de uma vida sem futuro, sem memória.