mercado das memórias
quando dois estranhos com memórias se cruzam no mercado…
o que será que uma história inacabada pode reescrever em linhas tortas?
será que há alguma centelha que pode ressurgir o fogo que se extinguiu há tempos?
daqui há dez anos, num dia quente e comum, apressadamente comprando os itens que faltava na geladeira de casa, ela vai vê-lo no mercado. ela estará comprando laranjas e limões e ele estará comprando morangos. após um momento de análise, saudade, constrangimento, eles vão se aproximar e sorrir acanhados. perguntaram um ao outro como estão… enquanto olhavam atentamente um para o outro atrás de reconhecimento e mudanças sutis… ele vai olhar para a mão esquerda dela e ela vai procurar por fraldas na sua cesta. dirão um ao outro que “já faz um tempo” com a plena noção de quanto tempo exato faz. e um falará “sinto tua falta” e o outro concorda timidamente. ambos vão rir e dizer que já era hora de terem uma conversa em um supermercado. um momento de silêncio que vai dizer o quanto a ausência um do outro ainda é latente. não saberão quanto tempo ficaram assim, se contemplando, se (re)conhecendo nessa vida que parece que foi há tempo demais ou mesmo outra reencarnação. o encanto vai ser quebrado por um senhorinha procurando maçãs. vão se dirigir até caixas separados, pagando as compras usando cartões separados, e a fruta aprodecerá em tigelas separadas. um adeus distante de dois velhos conhecidos. em casa o entusiasmo tomará conta e o ciúmes ressurgirá. da próxima vez ela vai comprar morangos para o marido que estará em seu próprio mundo e ele vai comprar laranjas e limões para os filhos que detestam. e não se verão nunca mais. vão se procurar nas gôndolas, mas sem sentir aquela familiaridade pairando no ar. cada vez que um deles estiverem no mercado, torcerá para ver o outro novamente, mas aquela será a última vez que se viram.
o destino gosta de brincar de esconde e esconde com estranhos que têm memórias demais.