Porto e Farol
É confortável ter um porto. O mar se revolta e se desdobra, levanta e engole, mas lá no final tem um porto, onde se amarrar, e, com sorte, há também um farol.
Não importa quanto sal você já engoliu, ou quantas tempestades passaram por seu barco, o farol te chama, te mostra onde ir. Te aponta o porto.
São seu ponto seguro, onde o equilíbrio e a liberdade andam juntos, enquanto seus pés brincam de passear tranquilos por águas turbulentas e profundas, cheias de mistério e criaturas.
É deste lugar que sua confiança vem e te permite conhecer o lendário Nautilus, enquanto o capitão Nemo dança por oceanos como se sua máquina fosse apenas um amontoado simples e cheio de certezas, mostrando que o desconhecido nada mais é que o som do seu coração pulsando no ritmo das ondas.
A aventura vem da certeza. Vem do começo. Vem do porto que você deu tchau jurando nunca mais voltar.
Se te peço para contar como foi sua viagem, aposto que se lembraria primeiro do barco. Que era de madeira e tinha uma parte da tinta lascada. Que era um cruzeiro cheio de cabines, mas que quase nenhuma era ocupada. Que desaparecia no meio do horizonte de tão pequeno. Lembraria daquela vez que precisou parar em uma cidadezinha qualquer porque o motor precisava de reparos. Que pensou em desistir da viagem quando ele encalhou no meio do nada. Que se sentiu um naufrago quando a água doce acabou.
Aposto que se lembraria da sensação de que, em algum momento, a tempestade partiria seu barco ao meio, e que no dia seguinte tudo que te sobraria era um pedaço de madeira ao qual se agarrar enquanto rezava a algum Deus para que estivesse perto de alguma ilha.
Também me contaria como tudo valeu a pena, e que todos os infortúnios te fortaleceram e te fizeram valorizar aquele momento numa feira de qualquer povoado, enquanto um mercador te jurava ter o melhor preço, e que sorte era a sua por ter parado primeiro na banca dele.
Depois de contar do barco, da tempestade, dos lugares que conheceu, me olharia esperando alguma pergunta, algum mínimo interesse por tudo que viveu, e se decepcionaria se tudo que eu tivesse a me preocupar era com onde sua viagem começou, era com seu porto, afinal ele é aquela parte da história que sempre fica de fora. Que ninguém se lembra de contar. Ninguém conta se o caminho até o porto era cheio de conchas e pedras, ou grama verde e árvores, ou até asfalto quebradiço. Ninguém se lembra se o porto era de madeira, ou uma suntuosa construção da engenharia.
E o farol? Mesmo sendo sua luz, seu caminho de volta para casa, será sempre imponente em sua insignificância. Será sempre aquele fundo da peça de teatro que nunca chegam a pensar que existe, e só faz falta em sua ausência.
Portos e faróis são estabilidade, controle e permanência.
Pessoas são o desafio, são parte da jornada, portanto não podem ser portos nem faróis, estão ocupadas demais sendo o barco, a tempestade, o capitão, ou até mesmo algum dos golfinhos que brincam com os passageiros.
Esperam ansiosas a próxima aventura e vivem ela, se jogam nela. Desdenham da monotonia e dizem querer a estabilidade, mas sabem que isso é só o começo. Não é onde realmente querem chegar, e mesmo que estejam paradas no porto, esperando junto com ele, esperando eternamente, sua natureza sempre grita para sair dali. Grita para pular no mar e desbravar um oceano nadando. Grita pela mudança. Grita pela saudade. Grita pelo medo da próxima braçada. E grita muito mais alto pela liberdade.