Águas
Há dias em que nada parece fazer sentido. Nesses dias, os óculos escuros são indispensáveis mesmo sem a presença do sol, e as lágrimas provenientes da tristeza são justificadas com desculpas banais, tipo alergias. Nessas horas nos questionamos se fazemos parte de um plano divino ou se a nossa existência é apenas fruto do acaso.
Há momentos em que pensamos em desistir, em deixar de lado os nossos ideais e passar a remar junto com a maré, onde as águas são mais calmas e a correnteza flui sempre a favor. Neste rio, o oportunismo vale mais que a empatia, um corpo definido vale mais que o amor, a bajulação preenche a vaga da competência, o cartão de crédito sem limites vale mais que o prazer da boa companhia e assim por diante. Porém olhando por esse lado, talvez seria melhor a gente se afogar.
No entanto, existem raros momentos em que a nossa virtude é colocada à prova. E por mais que o nosso corpo esteja surrado e até mumificado em razão dos constantes fracassos, a simples satisfação de saber que o nosso caráter nos diferencia dos demais faz com que possamos subir à superfície. Então enfim respiramos tranquilos, enquanto muitos chafurdam nas águas escuras que os cercam, provavelmente até o fim de suas miseráveis vidas.