Encontros e desencontros
Lembro-me do quanto era maravilhoso ver de uma maneira que hoje não posso ver. Quero enxergar a vida da maneira que via quando era uma criança. Quem sabe enfrentar as adversidades da vida com aquele ar pueril de outrora.
Sonho... Ouço uma voz distante e agradável. Uma voz parecida com a de um anjo, talvez a do Gabriel. Refletido numa face serena, olhos verdes, cabelos loiros, senhores, uma beleza rara! Com um olhar desejoso e terno. Num corpo instigante, as vestes transparentes me fazem sentir algo que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. E me desperto com ar de satisfação, ainda que pensativa e imóvel.
De repente meus olhos estão cheios de lágrimas. Algo abala meu peito com um aperto de nostalgia. Na escuridão do meu quarto sinto-me sufocada, não quero ninguém comigo (Talvez se você pudesse estar aqui... Ah! Se isso fosse possível). Acontece que como um parasita “ela” sobrevive de mim, de minhas dúvidas, dos meus receios, dos meus desejos ocultos. Mas acreditem, não sou eu! É ela. Ela quem? A minha consciência obscura.
Diga-me o porquê dessas lembranças, dessas manias inversas. Algo está arraigado no meu inconsciente, é de certa forma, a parte dissipada da minha mente. Hoje, eu quero explicação! Você está me ouvindo? Exponha de uma vez - com exatidão - a razão do passado entrar em minha mente, de forma involuntária, e me fazer lembrar aspectos paradoxais: ora sublimes, ora desagradáveis.
Certas explicações limitam o sentido da vida e nos tornam ofuscantes e enfadonhos. Só que neste momento eu preciso saber o que se passa na minha cabeça, para que eu entenda o que diz meu coração. Às vezes ele, meu coração, me confundi tanto, ou na verdade sou eu quem o confunde? Mas, não vamos nos prender aos nossos desencontros, isso me cansa muito. Preciso falar das minhas incertezas.
E o prazo de validade (aquele que você me deu aos prantos), será que ainda há alguma acepção nele? Por que você teve que me dizer isto, falar deste tempo limitado? (Era só falar da sua mágoa, já era o bastante para me enlouquecer de arrependimento). E ainda mais este seu silêncio me leva a crer que o tempo já cessou. O que eu faço agora?! Vou ao “supermercado dos sentimentos” e tento trocar o nosso produto de paixão? Seria assim: “Oi, você aí, dá licença, poderia trocar este meu desejo que tá vencido?”. Droga! Já estou delirando de novo. Esquecer você... Não digo que seja difícil, suponho, não obstante posso dizer que não tem me feito bem.
Como um pássaro preso numa gaiola, sinto-me asfixiada, sem vida. Estou perdida nos meus pensamentos infinitamente particulares, meus olhos estão fixados no vácuo. E expressam apatia a tudo que me cerca. Quero voltar a conversar sobre certas coisas, daquele jeito que só você sabe (essa sua expressividade me faz tão bem, meu distante desejo). Trancada no meu quarto, com você ao telefone: a figura insólita da paixão. E música (para ninguém nos ouvir)... Música (para pensar ainda mais em você)... Música (para poder lhe sentir)... Muita música, com um som bem intenso. E você diz:
“O que você tá ouvindo, Lú? É rock, né?”
“Sim, amor, é rock. É Cazuza. E Cazuza é legal, você não gosta?”
“Louca! Abaixa isso vai princesa. Tá doendo meu ouvido.”
Então rimos. Depois abaixo o volume. Mas, o amor está em todo lugar quando a música é alta (acontece que você prefere o som do Guilherme Arantes, entendo).
Queria que você soubesse que, se ainda ligo, de quando em quando, é por uma necessidade alucinante de ouvir sua voz. Adoro sua capacidade de ser universal, sua autenticidade e a ternura da sua voz. Mas entenda, por favor, as minhas razões, os meus medos. Não lhe falo mais dos meus novos desejos, para não lhe confundir e nem mexer ainda mais nas suas feridas. Quero que você seja livre e feliz, ainda que longe de mim. A escolha já foi feita. E todas nossas escolhas têm sempre metade de chance de dar certo.
Sei muito bem que certas decisões não são fáceis, pois com elas vêm sempre renúncias. Contudo, isso nos torna mais dignos. Não vou ficar em cima de um muro, vendo minha vida passar... E muito menos fazer das circunstâncias uma correnteza feroz. Eu amo estar com você, sentir o seu corpo, sua tranquilidade de espírito, sua alegria. Acontece que eu ainda tenho muitos medos: de me envolver, de gritar, de magoar pessoas, de sentir, de perder o rumo... Você é furacão e eu preciso de calmaria. Você é vulcão e eu de preciso resfriar os desejos (que me consomem). Você é carnaval e eu preciso de cinzas. Você é invasão e eu preciso de privacidade. Você é adrenalina e eu preciso relaxar. Você é... A minha consciência obscura!
Ando distante, confusa. Não, hoje não é dia de poesia. Essa vida me deixa receosa demais. E este mundo anda tão cruel e louco. E isso me assusta. O que faz as pessoas para se tornarem tão indiferentes entre si? O que me deixa ainda mais perplexa, é ver que as pessoas não perderam apenas cordialidade, bem mais que isso, perderam a sensibilidade. E isto me irrita profundamente. Fico perdida diante desse mundo e dos desencontros da vida. Eu estou cansada demais. E muito longe também, em outro planeta.
Sempre gostei dos desafios da vida. Mas, eu já disse que hoje não é dia de poesia. Hoje, nem um verso se insinuará nos lábios. Oh quem revelará os mistérios do coração?! Estou naquele momento em que a vida nos coloca num labirinto e não conseguimos a achar a saída: “entre a cruz e a espada”.
Esta antiga paixão movida por medo e desejo, confunde-me ao mesmo tempo em que me faz bem. E parece que se tornou um amor atrofiado, ou pelo menos, uma paixão mal resolvida. Talvez tenha sido retida por conceitos particulares ou por um sentimento de medo que impedia de reconhecer-se a si mesma. Como um eclipse que cobre o sol, algo me impede de ver você. Não quero mais lhe ver. E nem devo. O vulcão está totalmente adormecido. E o prazo de validade: “sem chance!”. Hoje, eu não quero lhe ver. Hoje, cheguei a conclusão que não lhe quero mais. Hoje, meu corpo é glacial. E é só você que eu transpiro.
Ah, por quanto tempo não lhe contarei os meus planos? Não lhe falarei de coisas dessa vida, as quais me deixam perdida demais?
De fato, a paixão humana é feita fogo, de ciúmes, inseguranças, egoísmo, e, às vezes, cinzas. É, muitas vezes, curiosidade, carência. Tudo isso mexe demais. E ao final vemos que nem todas as paixões amadurecem o suficiente para amar.
O mundo ao meu redor está correndo para um refluxo de sonhos. O meu sentimento anda tão confuso, vago, perdido diante das circunstâncias da vida. É tempo de estar sozinha, mas solidão não existe. A solidão é optativa. Acontece que, a dor da tristeza não. O ser humano parece que não valoriza mais os pequenos gestos, o amor, a vida. Por que não olhar para natureza e aprender com ela a ser uma pessoa mais generosa? Sinceramente, há muitas coisas que eu ainda não entendo.
Conversar com você me fazia entender melhor o mundo. Desconfio que esta dor não seria tão intensa se você voltasse com suas explanações. Oh me perdoe se me distancio um ano-luz de sua presença helênica e peço que você corra até a mim novamente. Hoje, nem um poeta ouse cruzar a minha rua. Não dar para rimar com seu corpo distante. Não num dia cinza. Eu tenho medo da escuridão, que deve ser pior do que esta nuvem escurecida. E tenho ainda mais medo do que eu possa fazer comigo mesma, quando eu me render as minhas ilusões.
Doce é sonhar. É pensar que um dia voltarei a ser aquela criança, que via o que não posso mais ver. Pois, ao ver o sol, a lua, as estrelas ou o mar, sentia-me - incomensuravelmente – feliz, pelo simples fato de poder contemplá-los.
Hoje, vejo o sol a brilhar de maneira grandiosa. Vejo a lua cheia a refletir seu brilho, de forma solene, na escuridão. Vejo o céu absurdamente estrelado. Vejo a perfeita imensidão do mar. Tenho alegria, mas volto à tristeza.
É só no silêncio da noite, e, na busca incessante de amar, que tudo faz sentido.