Sobre a humanidade…
Dizem que nós, pessoas, somos compostos por 70 porcento de água. Isso nos permite criar alguns sentidos (somos bons nisso) se pensarmos nas semelhanças desse elemento com nosso comportamento. Às vezes, somos flexíveis e nos adaptamos a qualquer contexto e, pessoalmente, acredito que esta é a nossa melhor habilidade. Tem quem diga que é inteligência, mas discordo, porque faço uma distinção entre quantidade e qualidade. Erudição é quantidade, mas inteligência, inteligência mesmo, é o bom uso do que se sabe, pouco ou muito. Às vezes, também, é aquele salto da quantidade para a qualidade. Acumulamos, sim, muito conhecimento, e rapidamente, mas saber usá-lo de verdade, mesmo… nossa atual situação é evidência sólida de que não. Por isso, mantenho que nossa melhor habilidade ainda é a adaptabilidade. Neste exato momento, bem ou mal, tem gente já adaptada à guerra, à fome e à morte…
Talvez seja um pensamento inflexível, como a água no seu estado sólido, um iceberg que revela apenas 10 por cento de tudo que supõe saber. Nesse estado, nos assemelhamos a um cristal límpido da mais pura estupidez e arrogância. Nele também, a gente não curte muito se misturar, mas no arrotar das contas, continuamos boiando igual a outras coisas que boiam e vocês sabem bem do que estou me referindo. Escrita é isso, crio imagens na minha cabeça daqui para vocês recriarem elas na de vocês daí… peço desculpas.
Mas tanto a água líquida quanto o gelo se evaporam no calor da agitação das moléculas. Será que antes de queimar nossa única casa, esse pálido ponto azul, teremos tempo de transcender para algum estado superior, como o vapor d’água (ou mesmo o plasma)? Nos tornarmos céu e mar ao mesmo tempo, tão livres de nossos preconceitos e imprevisíveis como bolinhas de sabão coloridas e felizes, a ponto de nenhuma equação matemática ser capaz de nos determinar? Talvez, esse tipo de entropia não seja algo tão ruim…
Se nós, pessoas, somos águas, a humanidade me parece um mar de ondas revoltas pelo vento ou um rio de correnteza escandalosa, ou mesmo um lago continuamente perturbado pelas ondas das pedras que lhe são atiradas. Até mesmo uma folha que cai numa poça cria pequenas ondulações que reverberam por toda a água suja. Somos a água, mas também as pedras e folhas e as ondas e perturbações ao mesmo tempo. Cada decisão que convertemos em ações se torna uma ondulaçãozinha que se propaga e perturba a água ao nosso redor, mas parece que não enxergamos isso. O mundo hoje é um lago em dia de chuva ou uma panela de água fervendo…
Talvez sejamos como no título do livro da Aline Valek, “As águas-vivas não sabem de si”. Nós também, seres humanos, apesar de compartilharmos essa mesma e misteriosa essência (nesta analogia, a água), estamos simplesmente desconectados uns dos outros, também não sabemos de nós enquanto oriundos de uma mesma fonte, nem nos reconhecemos mais como uma unidade. O que é triste, porque deixamos de compartilhar os sentidos da palavra humanidade. Deixamos de ser humanos e esquecemos nossa unidade e, nesse estado indefinido, apesar de fazemos muitas coisas incrivelmente maravilhosas, também e, ao mesmo tempo, nos infligimos outras terrivelmente assustadoras…