Se não há certezas, por que há certezas?!
Se a política, a sociologia, a antropologia, a psicologia, a filosofia, a economia, e etecétera, e tal; se as disciplinas, enfim, da chamada área de humanas, não sendo exatas, não são exatas, e se muito, senão tudo, do que se diz nestas áreas nada mais é do que asneirice, e se todas as pessoas sabem disso, então por que cargas-d'água há quem exija de todos anuência automática, e revencial, a esta ou aquela teoria, hipótese, discurso?! O sujeito diz uma coisa qualquer acerca de um qualquer assunto, num tom que não admite réplica, e, ao notar que o interlocutor lhe não compra a idéia pelo preço de capa, estufa o peito, exibe títulos e mais títulos, que tem em mãos, e, num tom azedo, a desprezá-lo, desanca-o e exige-lhe respeito, melhor, reverência pusilânime. É de fazer cair o que a natureza não permite que naturalmente caia. Sou um homem de berço respeitável, daí a minha civilidade.
Todas as teorias, as científicas inclusive, concebidas pelo cérebro humano, que não é lá grande coisa, diga-se a verdade, mas tem o seu valor, e os humanos o estimamos, mas não em demasia, são percepções que têm os seres humanos das coisas do mundo. Se é assim, por que há, dentre as pessoas que estão cientes da fragilidade e das incertezas das ciências ditas humanas, aquelas que se agarram a uma teoria, a uma tese, seja política, seja econômica, seja sociológica, etecétera, e tal, e lhe não admitem contestações, uma que seja, e são refratárias ao debate franco, aberto, e não se dispõem a ouvir o contraditório, e pedem pela eliminação de quem pensa diferente e, se for o caso, pela exclusão do debate público de quem observa os fenômenos sociais de perspectivas distintas (incômodas para os sabidões e os sabidinhos), que não estão em conformidade com as, direi, aceitáveis, as admitidas, as admissíveis, e exigem de todos os seres falantes - falantes, e não obrigatoriamente pensantes - submissão, e convertem em arquiinimigos quem lhes prova a incorreção das idéias, das teorias, das teses, das hipóteses, que lhes são muito caras, inestimáveis?!
Sei não, mas acho que nas palavras acima cometi anfibologias e tautologias. Como não estou com paciência para ler o que escrevi, prossigo bravamente: dentre os ditos defensores da liberdade, dos amantes da democracia, daqueles seres que adoram ouvirem-se dizer que, se preciso for, em defesa da liberdade de expressão de todas as pessoas, inclusive, e principalmente, daquelas das quais discordam, enfrentam o mundo há quem não deixa de inserir nas suas fórmulas libertárias e democráticas e justas a intolerância, a presunção de infalibilidade, e a de perfeição, e a de dono da verdade, e de superioridade intelectual, moral, cultural, e a defesa veemente, eloquente, de injustiças e crueldades sem fim: todas as ações desumanas de antemão justificadas - em nome do bem-estar de uma abstrata humanidade, e, mais do que desta, de uma idealizada natureza da Terra (compreensível, afinal um ovo de tartaruga é mais valioso do que uma criança a viver no útero de sua mãe).
Dia destes, ouvi Jairo José da Silva declarar, numa entrevista, com as palavras dele, e não com as minhas, as minhas menos apropriadas do que as dele, que toda ciência é, nada mais, nada menos, do que a tradução que fazem os humanos de sua percepção da realidade.
E não querendo estender-me por infinitas outras linhas, encerro este piruá com estas palavras: dentre os juramentados propugnadores da sociedade justa e democrática e livre, há aqueles que acreditam, piamente, que só se alcança o bom sucesso de sua política humanitária com a derrota vexatória dos refratários à deles ideologia, ou o que o valha - erguem o tom de voz, esgoelam-se e exibem-lhes a carranca feia (e muitos dentre eles têm, de fato, feia a estampa - e com ela há quem se assuste) com o fim último de, aterrorizando-os, matá-los de susto (e quem não morre de susto ganha, ao paredón, um balaço na nuca).