O ventre do mundo
Estive deitada no ventre, escutando o cavo e através dele as vozes que chamavam-me: mulher. Me dedicaram esta posição antes que eu pudesse entender seu valor. E sentia o calor do corpo que revestia-me sem saber que este recebia o título de mãe e que mais tarde eu também o receberia. Foi assim quando toquei seu rosto macio, acordei para a certeza de que éramos iguais sem ser; tínhamos o mesmo corpo, os olhos uma da outra, mãos e cabelos que inúmeras vezes ainda iriam se misturar e se entrelaçar.
Somente mais tarde vim a me descobrir, não como membro deste clã, pois o que denota a complexidade do humanus não é ser mulher ou homem, mas ser ambos ou nenhum. Senti o não pertencer e dele retirei outros traços. Quantas sensações cabem em um existir? Estava descobrindo e ainda estou. Posso ter o olhar sonhador e inócuo, ser rígida e flexível, soar como delicada e frágil, mas sou forte o suficiente para me proteger sozinha sem negar a importância de andar ao lado de quem possa abraçar-me. Já estive em posições privilegiadas e não as negaria, mas de minha natureza humana também tirei a necessidade e com ela experimentei da fome por comida, por conhecimento e— minha mais recente descoberta— fome por pessoas.
Disseram que apaixonar-se era a maior das experiências. Sou ávida por tais conceitos dados ao entendimento subjetivo e, não mais que tentada, ousei me sentir assim. Nunca o consegui de fato. O amor, a paixão, tudo isto me era ilusão. Como o ventre me foi o mundo um dia, o externo limitado que permeia meu campo de visão é meu mundo atualmente e dele retiro apenas o que deseja me mostrar. Tudo vai passando e meu rosto ainda não sabe transparecer aquilo que me fervilha a alma.
Já tive um filho uma vez e como toda mãe escondi-me no apego. Entreguei-o meu mais delicado amor, dei-o meu próprio pão, alimentando-me apenas de sua existência. Uma mãe sabe amar, perder-se e deixa-se de lado por outra existência, seu novo propósito. Me senti feliz, mas cansada. Uma estreita relação parasitária? Não. Um amor por mim mesma, dado ao "auto-mutualisto". A carne se desprendeu e tornou-se vida. Amei-o por ser eu mesma sem ser e agora que se foi estou desolada. Pergunto então que mãe não é egoica?
Nunca acreditei no que estava fora. Voltar-se para dentro não é da natureza viva que expande-se ao exterior na busca incansável por espaço. Mas eu regresso, apesar de meus esforços eu regresso para mim mesma, minha única certeza, minha verdade absoluta. O corpo em si, feito do barro, já caminha para isto: para si mesmo. Regresso ao meu lar, este que encontro de forma inesperada, sem saber que sempre esteve aqui. Abrigo-me como uma mãe, retiro-me por um respirar, mas volto e deito-me nos braços já conhecidos. Enfim estou em casa.