Um com outro
Desde pequeno, ele percebeu que não era como os outros. Talvez até fosse, mas não se habituava a se compor pelo outro, esse distante e amplamente aceito. Preferia o próximo, o parecido. Portanto, não era tão diferente.
Era igual e distinto ao mesmo tempo. A inocência e o olhar de menino eram aceitos quando criança, mas agora, nem tanto.
Sofria, padecia e tentava ser rude, frio, pouco compadecido, e, não conseguia.
Então, guardava-se dentro de si mesmo, expondo timidez e gentileza, porém com uma superficial frieza que nem mesmo refletia o próprio.
Assim, conseguia ser como todos. A imagem que não era. Uma persona.
Até que, então, em outro olhar se viu. Por outro olhar, sentiu. A quietude da identificação e a inquietação da alteridade. Era uma pura composição dialética. Estava lá, olhando-se, sem entender o que via. Era o outro ou a si mesmo?
Diante da dúvida, nada se revelou. Ficou assim, denso e tenso. Nublado como um dia de chuva. Frio, porém vívido. O barulho dos pingos no telhado, o chiado da água que escorre, a pressa para não se molhar, a necessidade de aconchegar. Era quente e vida.
Nessa ambiguidade, trocou olhares e recebeu o do outro. Não mais que isso. Às vezes, o diferente vem acompanhado do medo. Tão reconhecido e não superado. Mas queria mais. Queria ter ouvidos. Queria ter palavras. Queria ter pele. Não só o olhar. Poderiam ter tido. Ter tido as conversas. Ter tido os sorrisos. Ter tido o toque. Ter tido o outro. E ter sido um com outro.