A OBRA

Você havia começado a construção naqueles tempos de ilusão e esperança e de uma forma ou de outra ia avançando nela, viga por viga, tijolo por tijolo, de mãos dadas com aquele Deus que você já desconfiava ter pés de barro. De repente, você começou a desacelerar ali no meio do caminho – um tijolinho aqui, um pouco de argamassa ali – e só às vezes, espaçadamente, tentava retomar a obra, sempre e invariavelmente do seu jeito: sem muita convicção. Entre uma tentativa e outra de reoxigenar os pulmões do peixe que você alimentava na esperança de mantê-lo vivo, forte e bonito, você capitulava, isso talvez não seja pra mim, você dizia, ou melhor, pensava, mas de uma forma ou de outra você seguia em frente - dois tijolos por ano, uma janelinha aqui, um reboco ali - e a construção, mesmo que você não acreditasse mais nela, ou não acreditasse tanto nela quanto gostaria de acreditar, ganhava corpo e forma (imperceptivelmente, é verdade, mas era o que se podia fazer no momento), de modo que, verdadeira rocha milenar, ela seguia o seu curso rumo ao devir, partícula por partícula, átomo por átomo. Nos últimos anos, você, movido por necessidades mais imediatas (respirar) e cada vez mais preso às armadilhas metafísicas de sempre, quase parou de vez, no máximo meio tijolo por ano, isso não é mesmo para mim, você dizia, ou melhor, pensava, mas veja, veja bem, observe os fatos com a devida atenção: a obra, embora meio abandonada e desgastada e morta pelo decurso do tempo, ela ainda está de pé, implorando para que você a olhe nos olhos. E quando você finalmente a olhou bem fundo nos olhos, descobriu que ela nunca foi destinada a se transformar em monumento, era para ser apenas um veio d’água em curso concebido para nunca, nunca, nunca secar.