O Bloqueio

Anteriormente havia falado sobre como irritamos a Musa quase diariamente quando não estamos sendo o que devemos ser, ou ao menos não estamos sendo por completo, não fazendo o que deve ser feito.

Irritar a Musa parece forte demais, mas se pegarmos na mitologia antiga é o que normalmente acontece. Existe o herói, aquele herói passa por provações, alguns deuses são irritados pelo herói não fazer o que tem que fazer (ou por ter que se provar digno do que tem que fazer). O herói assim vence, descobre em si sua imortalidade e alcança, em determinada medida, o que é.

Eu diria que o processo artístico se dá da mesma forma. O artista vive diariamente a missão do herói para se provar digno. Vencer a si mesmo e trazer uma mensagem celeste ao mundo terreno.

O problema começa quando o artista quer forçar esse processo. Sim, assim como qualquer herói, o artista precisa treinar todo dia, ele precisa praticar, tornar aquilo alto tão natural como respirar, aquilo é ele e ele é aquilo. Contudo, treinar, não é a mesma coisa do que realizar. O herói sempre tem o momento de treinamento, para encarar a batalha, os espartanos treinavam todo dia, mesmo quando não havia guerra, porque sabiam que um dia, o inimigo persa ia chegar e aquilo seria a missão deles.

Já me peguei por inúmeras vezes em que estava inspirado, fazia um ou dois versos de uma poesia em minha cabeça, começava a escrever no papel e saia uma ou duas estrofes e depois disso tudo sumia. Porque esse bloqueio acontece? Não há como eu explicar o processo interno de um artista, até porque não é verdade absoluta, mas posso dizer por mim. Eu irritava as Musas! As duas primeiras estrofes era algo ao qual foi inspirado, nas próximas era somente técnica. Era algo que queria fazer para completar a poesia e dar fim ao que havia começado, sem nunca mais mexer.

Me recordo bem de uma das poesias que fiz, cujo título é Natalis Solis Invictus ou o Nascimento do Sol Vitorioso. Comecei a escrevê-la para uma celebração do Solstício de Verão no Brasil. O fato é que, a tradição do Sol vitorioso se dá no inverno Europeu, onde durante o solstício de inverno se tem o dia mais escuro do ano e os antigos anciãos cantavam e dançavam em volta da fogueira para que o Sol vencesse as trevas. Não posso deixar de mencionar que o simbolismo disso é o nosso Sol interior, vencer as nossas trevas interiores, seria irresponsabilidade da minha parte.

Voltemos ao caso, inspirado por aquele momento com um misto de responsabilidade e inspiração escrevi a poesia Natalis Solis Invictus. Fiz uma poesia digna, inspirada, simbólica, diria que uma das melhores que já escrevi em vida. Decorei-a e declamei como devia de ser, tudo místico, havia honrado as Musas! Tempos depois, revisitando minhas poesias, vejo que a última estrofe desta poesia não tinha uma rima perfeita, a técnica ali não estava aplicada, faltava mais rimas. Então mudei esse verso e trai as Musas! Depois disso esta poesia nunca mais foi a mesma pra mim. Consigo retornar como as palavras eram, não há problemas, mas eu trai as Musas!

Elas conduziram através de mim uma mensagem que plasmei no mundo material. O excesso da técnica fez com que aquilo não fosse mais místico. E é isso que causa o bloqueio do artista.