O Processo

Porque a Musa nos abandona?

Essa pergunta me vem lendo as páginas de um livro entre uma estação e outra. A realidade é que não há resposta certa para esse tipo de pergunta.

Já tentei todo tipo de método, no passado, havia dias em que saía com minha bicicleta em minha cidade natal e todo final de tarde ia ver o pôr do Sol. Fiz isso por cerca de um ano ou um ano e meio. Aquilo me inspirava, me tocava e me fazia querer escrever. A unicidade e a integralidade da Natureza sempre me inspiraram, na verdade eu acho que inspira qualquer pessoa.

Cerca de dois anos depois, ou talvez um pouco menos, tentei repetir o mesmo, pegava a minha bicicleta e ia exatamente para o mesmo lugar, e via exatamente o mesmo pôr do Sol. Um pouco deslocado dependendo da estação do ano, a cada estação do ano o Sol e o céu fica de um jeito diferente, mas isso é assunto para outra hora. Voltando… Via exatamente o mesmo pôr do Sol, o mesmo céu, era a mesma bicicleta e saia dali sem conseguir escrever sequer uma palavra, ia pra casa e isso me chateava. Nada mudou e mesmo assim onde está a Musa que se afastava de mim?

Pensei, o que será que mudou? Porque não escrevo mais? Em um versão mais dramática e poética “Oh Musa, porque tu me abandonas? Logo tu, a quem me dediquei a vida, vás embora como se nunca tivesse chegado e deixa-me só, em esperança vã!”

Será que nada mudou? Em um momento de lucidez pensei, se é a mesma bicicleta, o mesmo Sol, o mesmo céu, a mesma cidade. Será então, que não seria eu, o mesmo eu?

*Tive que parar, a minha estação sempre chega no momento de inspiração, só que dessa vez, decidi voltar, pois sinto que este tema é importante.

Elucidando novamente o caso, conclui que se todas as condições externas eram as mesmas, somente o que poderia ter acontecido seria a mudança das condições internas.

A poesia, o texto, a fábula, o conto, só acontece quando se é tocado pelas Musa, gosto de um trecho do Fedro, incrivelmente também citado por Pressfield em uma das suas obras, o qual vou traduzir para a “linguagem popular” com minhas próprias palavras:

“Aquele que usa somente da técnica para fazer arte não chegará aos pés dos artistas que são tocados pela loucura das Musas.”

A arte não é feita através da técnica, é uma plasmação dos planos intocáveis dos céus. É somente uma cópia do que existe em um plano ideal e isto só é permitido, quando a Musa o toca.

Digamos o seguinte, Einstein ou Ramanuja ou Shakespeare ou Fernando Pessoa ou Luís Camões, eram meros veículos daquilo que os céus queriam e precisavam expressar. Aquilo já estava escrito nos anais akashicos, na história da humanidade, mas os deuses, sempre pregando suas peças, precisam de veículos para transportar essa mensagem. E isto é exatamente o que acontece com qualquer artista, ele vê aquele mundo na sua imaginação, vê a Natureza e a compreende. Somente então é capaz de traduzir isso para a linguagem comum.

*Minha estação está chegando, mas sinto que está parte do texto ainda não está completa. Também não posso negar o fato de uma mulher extremamente bonita que se senta à minha frente. Seria um ultraje não citá-la, sim, existe beleza nela, uma estética incomparável mistura com a idade a torna intensamente atraente. Mas, como em todos os outros dias, já a esqueci.

Voltemos então ao assunto. Porque nós mudamos? Talvez essa seja uma das perguntas mais complexas e sem respostas que se possa fazer. Então talvez seja melhor incrementar essa pergunta. Porque é que nós mudamos nossa forma de pensamento?

Me pego olhando para a janela do trem, onde uma moça, novamente atraente, sobe correndo as escadas, bate o seu cartão ofegante e tenta abrir a porta do trem, que por sinal não abre. A sua feição muda de ofegante para triste. Não, eu não mudei de assunto ainda. Visto que hoje é uma quinta-feira e são cerca de 8 horas da manhã, muito possivelmente ela estava indo para o trabalho e penso, “Porque diachos essa tristeza a abateu? Porque ela correu? Ela não pode chegar mãos tarde no trabalho? O trem passa de 10 em 10 minutos, porque essa correria?” e é isto que muda a forma de pensamento das pessoas.

A Musa somente se manifesta para aqueles que têm formas de pensamentos com relação a Musa, coisas belas, arte, vive aquilo, entende aquilo como parte integrante do seu ser. Não estou dizendo que deve se parar todo dia e ficar a pensar “Oh Erato, venha a mim, me dê inspiração”, não, isso é falso! Ser tocado pela loucura das Musas é sentir a vida que emana no dia a dia. Saber admirar as coisas, não somente as belas ou que geram emoções positivas, mas o conjunto do todo.

Porque a Musa não me tocava mais? Ou porque talvez ela não tocou aquela moça (ou tocou) aquela moça? Não posso dizer por ela, mas posso dizer por mim. Naquela época tinha milhões de coisas na cabeça, queria recuperar a minha inspiração, queria ser poeta de novo, pois era um poeta morto. Toda a pressão que eu punha sobre mim, fora a preocupação com o trabalho da vida comum, me afastava cada vez mais da Musa. Se eu quisesse que a Musa me inspirasse, teria que novamente admirar a vida, e aí sim, conseguiria ler novamente os finais da Natureza.

Perdão os erros de portugues, vou me dar essa “licença poética.”