Nada é tão urgente
Nada é tão urgente, eu pensava…
Nada é tão urgente quanto viver!
Essa segunda, só pensei mais tarde, quando por um quase não mais vivi.
E não é viver de correr incansavelmente para alcançar aquela meta ambiciosa…
Não é viver a pressa de atender às tantas demandas simultâneas que nos atropelam em milésimos de segundos na caralhada de aplicativos que nos convidam a estar (ou parecer) disponíveis o tempo todo…
(O que é que a gente sabe sobre estar disponível?) pensamento intrusivo
Não é viver para acrescentar alguns zeros a mais ao saldo da conta bancária…
Não é viver para aparentar um empreendedor bem sucedido de capa de revista e que incorpora um arquétipo qualquer para comunicarsua imagem…
Lembro Álvaro de Campos no Poema em Linha Reta:
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita
Indesculpavelmente sujo
[...]
Argh! Estou farto de semideuses
Argh! Onde é que há gente? Onde é que há gente no mundo?”
Voilá!
Desafinando o coro dos contentes!
No auge dos quase trinta, farta dos semideuses, farta dos excessos, farta da política do sempre mais…
Quem como eu terá a audácia de se despir dos excessos?
Quem como eu compreenderá viver como outra qualquer coisa que fuja à lógica contemporânea capitalista e sanguessuga?
Quem como eu resistirá para não ruir?
Que é viver então, camarada?
Que é viver?
Me convidei a refazer a rota, aderi a política de recusas, redimensionei o senso de urgências e te convido a se assentar à mesa.
Tem café quentinho e recém coado…
A propósito, qual o sabor do seu último café?
Com que frequência o seu maxilar tem estado travado?
Você tem conseguido dormir sem uma pílula mágica?
Desculpe-me, não foi a intenção que o café te descesse tão amargo!
A propósito, eu te vi no instagram dia desses e vi que está ótimo!
Aceita mais uma xícara de café?
Eu li uma crônica da Ruth ontem e ela se refere a nós como:
“A estranha geração que toma café para ficar acordada e comprimidos para dormir”
ou ainda:
“A geração que virou escrava da própria carreira”
Mas a parte mais bonita que eu achei foi:
“Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal, tinha conhecimento, poder, cargos, fama, dinheiro e acesso a informação como nunca antes.
Só não tinha controle do próprio tempo. Não via que os dias estavam passando…
Não percebia que a juventude escoava entre os dedos, e que os bônus no final do ano, jamais comprariam os anos passados de volta.”
Não é legal que a gente ande em direção a fila de abate e isso gere vários views e haters e hypes e outras gírias que usam por aí e eu não faço ideia do que querem dizer com elas?
(silêncio ensurdecedor)
Desculpe, te convidar para assentar a mesa e te servir um café tão forte e sem açúcar, assim sem aviso prévio!
Mas, como estávamos conversando…
Que é viver então, camarada?
Que é viver?