mil vidas
meu amor, eu te liberto agora de nós. não se preocupe, o fim dói, mas passa. eu deixo você ir. essa sou eu aceitando o fim definitivo e seguindo apesar da falta de você. ah, como eu amei você, meu bem. quando eu te conheci, você era um menino que nada entendia sobre a vida e que tinha os olhos mais gentis que eu já conheci. tinha um cheiro tão bom e seu cabelo era bom de fazer cafuné. até hoje não sei explicar o que sentia ao fazer isso. éramos jovens demais para saber como é bom o toque precedido de carinho. mas, os anos passaram, crescemos, amadurecemos (nem tanto!). o tempo passou, como estrelas infinitas em um universo imensurável, onde tudo flutua e tem seu próprio tempo. e desperdiçamos essa chance que o destino nos deu de ficarmos juntos. sofremos alguns desencontros, com reencontros predestinados, mas não foi o suficiente. eu te deixo ir, amor. não podemos mais habitar no mesmo lugar. nossas ideias não habitarão o mesmo espaço. nossos corpos e ressentimento um do outro não irão mais se encontrar pelos corredores e o silêncio será um pouco maior do que é agora. acho que é o universo finalizando nossa trajetória de vez. minhas mãos vão se esquecer do formato das tuas e meus olhos irão se acostumar com a impossibilidade de te enxergar no meio da multidão. te deixarei de lado, no nosso lugar, em que eu não volte para te encontrar mais uma vez. quando sentir saudades de mim, eu não vou mais aparecer. essa chama que queima em nós dois não vai mais se reacender. não vamos mais ter atritos com nossas divergências, elas sequer vão coexistir e por falta de atenção, todas irão desaparecer com o tempo. o nosso corpo também vai apagar as memórias dos toques e beijos e vai finalizar o que fomos. não vou contar de você por aqui. não vou dizer que a última coisa que me falou foi não entender que coisa tão forte era essa que me unia a você. eu sorri, imaginando que seria especial se você entendesse o que acontecia. mas nosso tempo acabou. não sei se nos cruzaremos novamente. não vou dizer que eu gostei muito de ter te conhecido e que faria tudo outra vez. não vou contar que o lugar em que o meu amor mora aqui dentro de mim é mais bonito depois de você. não, meu bem. eu não vou falar sobre a gente. não posso. seria doloroso demais prolongar o inadiável. porque falar sobre nós é tentar resgatar algo que se perdeu na profundidade do oceano. é tentar segurar o vento com a peneira. é tentar explicar deus para um cético. é brincar de pique esconde com o destino. é ver a primavera se tornar outono com seus finais definitivos. você não me trará mais flores e desenhos mal feitos. eu não te entregarei mais textos feitos com mãos empolgadas e fotografias tremidas. é o universo se dando conta que o encontro dos amantes deu errado, que ele nem sempre está certo. às vezes, o amor é algo que termina e não dura, e que não é por esse motivo que deixa de ser amor. não acho que nos encontraremos novamente, não mais nessa vida. quem sabe, certamente será em outra. em todas, como tem sido. eu te liberto agora de nós, meu amor. essa sou eu aceitando o fim definitivo e seguindo apesar da falta de você.