Por outros olhos
No final do ano passado, como de costume, a Netflix lançou uma produção natalina que, aparentemente ingênua, é capaz de nos proporcionar uma profunda reflexão sobre a maneira como julgamos a realidade das outras pessoas, sobretudo daquelas que dividem o mesmo teto conosco, as que costumamos dizer que fazem parte de nossa família. O filme se chama “Trocados”, foi um sucesso, ficando vários dias em primeiro lugar dentre os filmes mais assistidos, então as chances de você conhecer a história são grandes! No entanto, caso ainda não tenha assistido, vale pontuar que a premissa do filme é até conhecida: os pais trocam de corpo com os filhos e os filhos passam a viver no corpo dos pais. Só com esse resumo já podemos imaginar o tanto de confusão pela qual essa família pode ter passado! Imagine, só, você tendo que voltar a frequentar as aulas que sua filha adolescente vem tendo no ensino médio. Ou então o seu filho ter que ocupar o seu lugar naquela reunião de empresa que definirá o seu futuro profissional! Mas, para além de um divertido entretenimento, como mencionei anteriormente, a produção nos faz rever alguns conceitos sobre os quais não costumamos pensar: não sabemos como é estar no corpo do outro, vivendo a vida que ele vive, tendo os sentimentos que ele experimenta. Por isso, e por tantos outros motivos, precisamos evitar o julgamento e os tantos preconceitos que formamos a respeito da vida e das pessoas.
Não paramos para pensar, mas, sendo crianças ou adolescentes, nem imaginamos o esforço que nossos pais empenham por nos garantir o melhor que podem. Nem mesmo sabemos o quanto eles podem se sentir orgulhosos por sermos quem somos, embora sintamos que seus olhares são sempre de correção e reprovação. Não que não existam pais e mães que extrapolem em suas posturas. Mas no geral, eles nos amam e, talvez, se pudéssemos nos enxergar através dos olhos deles, entenderíamos todo aquele cuidado que mais parecia um zelo excessivo.
Por outro lado, sendo nós adultos, pais ou mães, às vezes parece que nos esquecemos o quanto ser jovem é assustador. Principalmente durante a adolescência, aquela fase de afirmações e descobertas, aquele momento na vida no qual nos sentimos deslocados, sem saber ao certo qual é o nosso lugar no mundo, tendo que nos reconhecer já que perdemos a identidade infantil e ainda não conquistamos nossa imagem adulta. Talvez, se trocássemos de corpo com os nossos filhos por um dia que fosse, e tivéssemos que viver a rotina que eles vivem, poderíamos perceber que, embora não sejam pressionados pelas obrigações do trabalho ou pelos deveres de uma casa, são pressionados por si mesmos a serem sempre os melhores. E esse “ser melhor” nem sempre é para eles. É para os outros, e, em muitos casos, para nós, seus pais, vistos por seus olhos como inspiração e modelo, ao mesmo tempo em que podemos parecer inalcançáveis. Seria interessante se a troca de corpos fosse uma realidade. Acredito que muitas discussões cessariam e muitos desentendimentos nunca mais aconteceriam. Isso porque finalmente teríamos visto o mundo com os olhos do outro.
O fato é que essa ideia de trocar de corpo só existe no cinema – até agora. Mas ela já é o bastante para nos fazer compreender que, desde que nascemos, estamos acostumados demais a olhar para a vida através dos nossos olhos, do lugar no qual estamos e nos esquecemos que as outras pessoas possuem outros olhos para contemplarem a vida e a experienciam de outros lugares. Isso é um motivo mais que suficiente para exercitamos a gentileza e a compreensão. Para sermos mais pacientes e sutis. Para que compreendamos que, sim, somos desafiados por dores, mas não somos os únicos, todas as pessoas, sejam idosas ou crianças, lidam, diariamente, com desafios que lhes soam como importantes e decisivos em sua caminhada. Seja você um pai ou uma mãe, ou esteja você no lugar de filho ou filha, lembre-se de que antes de quaisquer rótulos ou papéis sociais somos humanos, e é exatamente por isso que sentimos dor e medo, desconforto e desprazer. Tente imaginar como é ser o outro por um instante apenas. Talvez ele esteja suportando dores que a você seriam insuportáveis. E o contrário também é verdadeiro. Pensar por esse viés pode nos ajudar na construção das pessoas melhores que almejamos ser!
(Texto de @Amilton.Jnior)